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Review: No More Shall We Part

avaliação:

Nick Cave gastou muito tempo da sua peculiar carreira de compositor berrando furiosamente músicas amarguradas. Mal sabia ele que suas melhores composições estariam nas belas e doces canções, justamente aquelas nos períodos em que se encontrava mais sossegados, entre um turbilhão e outro de sua vida. Músicas raivosas têm lá sua graça, é claro.

Dependendo do estado de espírito do ouvinte, tornam-se emblemáticas. Mas canções singelas sobre amor e fé entoadas no soturno tom de voz de Cave carrega uma dosagem emocional muito maior e proporciona ao ouvinte momentos de reflexão de sua própria vida (opinião pessoal, óbvio, há outros que preferem o lado mais furioso). São músicas dessa segunda categoria que perduram no disco de Nick Cave and the Bad Seeds - No More Shall We Part.

O disco abre com a faixa "As I Sat Sadly By Her Side". De início, aparece um pianinho digamos assim... "divertido". Logo, surge a imponente voz de Cave, impregnando a canção com seu habitual estilo de cantar para a alma das pessoas. A composição vai evoluindo, os instrumentos perpassam e parecem fluir direto pro nosso subconsciente e só voltamos ao estado normal na próxima música. Porém se permanecer consciente, a canção vai ficar enjoativa, pois a sua desnecessária longa duração cansa um pouco. A próxima, a faixa-título do disco revela a face que predomina no resto do disco. Amor e religião. Ambos são estados incomensuráveis e indescritíveis de nosso espírito "Hallelujah" destaca-se pelos backing vocals das duas irmãs Mc Garringle, realmente comoventes, sinceros e bem-feitos. Nick Cave consegue falar de religião sem soar piegas, e mesmo para quem é um ateu convicto (graças a Deus! - já dizia um amigo), consegue se surpreender sendo tocado de alguma forma pela música. A 4° faixa "Love Letter" é a mais bela de todas, tão, mais tão irresistivelmente pop romântica(no bom sentido, claro, Henrique Iglesias não!) que a torna também a mais acessível e uma das poucas que o ouvinte irá pôr para repetir no cd. Recomendo que a escute até cansar, pois a interpretação de Nick Cave é uma das mais emocionantes do disco, senão a mais. A canção simplesmente vale o disco, e ainda serve para você declamar para seu amado(a) em uma possível reconciliação, pois os versos finais, depois de lindíssimas divagações amorosas, são entoadas magnificamente pelas gêmeas: "Come back to me", oh baby please come back to me" é pra derreter o mais gelado coração injuriado pela falta de consideração do companheiro(a)Em "Fifteen Feet of Pure White Snow", Cave narra a tragédia de uma cidade sendo assolada pelo desabamento de uma camada maciça de pura neve branca. O desespero passado na faixa deixou-me com o coração na boca, muito mais do que se assistisse uma dessas notícias no telejornal, quando um apanhado de desafortunados tem suas casas soterradas e perdem tudo. É sublime também como ele consegue colocar no meio da letra um telefone tocando, recurso corriqueiramente utilizado pelos mais diversos compositores, do pagode ao metal extremo. A próxima faixa fala de uma cidadezinha cristã típica que encontramos em vários lugares do mundo, onde tudo invariavelmente é justificado e culminado na seguinte frase: "God is in the house". Tal expressão às vezes parece soar até irônica na voz do inglês, como que se criticasse o conformismo e a estagnação destas pessoas que deixam tudo nas mãos Dele.

"Oh my Lord" conta a história de um indivíduo comum que perde totalmente suas sanidades mentais, num lugar realmente interessante: num salão de cabeleireiro, onde uma profusão de pensamentos se mistura dentro da pobre cabeça "cabeluda" do coitado. Inutilmente o sujeito clama:"Oh my Lord!", locução mais do que nefasta que é pronunciada tanto pela prostituta num falso orgasmo até por um desesperado que perde um filho. "Sweetheart Come" já pega o lado do amor mais "dinâmico", ou seja, há uma referência (não tão explícita, é claro) à uma relação sexual. "The sorrowful wife", fala de um casamento que ocorreu num dia de eclipse e que tem seu auge num "blackout"espiritual do eu-lírico, que se diz um tolo e implora por ajuda da sua amada em questão. No ápice da dor do infeliz, a composição torna-se mais violenta e pesada(tem guitarrinhas "maneirinhas" até), para poder expressar melhor o que o cara está sentindo.. "Gate of the Garden" apresenta uma historinha da carochinha: o amor impossível de um "crente"(sem relação pejorativa à essa classe, por favor), por uma "freirinha"(observação idêntica à anterior). Mais até que a faixa é simpática. De quebra, para encerrar com chave de "latão"(hehe), a última música é como a primeira:chata, se ouvida com o lado "errado" do cérebro(o lado consciente). Pra emitir sinceramente minha opinião, é até pior. Fraquinha (a letra não é ruim, mas a composição soa estranha), e o ouvinte mais atento pode perceber deslizes de entrosamento vocal-música e uma hipotética falta de interpretação sincera ou mais provável que Nick Cave não conseguiu passar tanta emoção como nas anteriores. Porém o saldo ainda continua positivo, pois "No More Shall We Part", um dos representantes do gênero mais calmo e religioso da discografia de Cave, ainda conta com os competentes Bad Seeds + irmãs McGarringle . Então para acabar de vez, o disco é, resumidamente(depois do enrolante bláblá acima), bom.

Maurício Chan Lee
janeiro / 2005