Existem
alguns artistas que, curiosamente, não conseguem atingir
um nível grande de sucesso comercial no seu auge, mas
que décadas depois tem seu talento reconhecido, idolatrado
e imitado. Velvet Underground, Big Star e Syd Barrett fazem
parte deste seleto grupo, entre muitos. Outro ícone
cult é o genial Nick Drake. Apesar de não ter
vendido quase nada em sua curta carreira, é hoje referência
para vários artistas e amado pelas novas gerações,
vide talentos atuais como Neil Halstead e Duncan Sheik. Dono
de uma discografia perfeita e de uma vida curta, Drake provoca
arrepios em qualquer um que tenha um coração
batendo no peito.
Nicholas
Rodney Drake nasceu a 19 de junho de 1948, em Ragoon, Birmânia,
onde seu pai Rodney trabalhava desde o nascimento de sua filha
mais velha, Gabrielle, que, por sua vez, nasceu na Índia.
E foi também na Índia que os pais de Nick se
conheceram. A família Drake voltou à Inglaterra
em 1952 fixando-se em Tanworth-In-Arden, ao sul de Birmigham.
O principal motivo era o problema de coração
de Rodney, agravado no clima tropical da residência
anterior. A família permaneceu em Tanworth-In-Arden
por mais de 40 anos vivendo numa bela e grande casa de tijolos
que na parte de trás continha um jardim que se estendia
até uma colina.
Desde pequeno Nick teve muito
contato com a música, principalmente por causa de sua
mãe que era cantora e o incentivou a aprender piano.
Em 1961 entrou para Marlborough, uma das mais respeitadas
escolas de música da Inglaterra. Ali se destacou no
coral e aprendeu a tocar instrumentos como clarinete e sax
alto. Mas o que realmente lhe encantou foi o violão.
Fã de artistas como Bob Dylan e Beatles, em pouco tempo
já tocava infinitamente melhor do que o rapaz que lhe
ensinou.
Com seu porte físico
avantajado (1,92 metros de altura) foi
escolhido capitão da equipe de rugby e era descrito
pelos seus colegas como 'tímido e feliz'. Mas Nick
ainda era bastante introspectivo. Ele se relacionava pouco
com outras pessoas, até mesmo com mulheres, o que até
hoje gera polêmica sobre sua sexualidade (apesar da
lenda de que pouco antes de morrer ele tenha tido um caso
com a cantora francesa Françoise Hardy). Nick ficou
em Marlborough até 66 quando começou a viajar
com amigos por países como França e Marrocos.
Neste último, em uma das inúmeras lendas que
envolvem sua vida, diz-se que Nick encontrou os Rolling Stones,
com quem teve uma viagem de LSD.
O início da
carreira
Em 1967 retornou a Inglaterra passando um tempo na
casa da irmã Gabrielle até se mudar para Cambridge
onde foi estudar literatura. Nesse período começou
a dedicar quase todo o tempo à música, poesia
francesa e ao haxixe, o que pode ter lhe causado esquizofrenia.
Já tinha um bom número de canções
que tocava para os amigos sempre impressionados com a boa
qualidade do repertório. Um dia resolveu procurar o
estudante de música Robert Kirby. Influenciados pelo
trabalho de George Martin e os Beatles em canções
como Yesterday e Eleanor Rigby, passaram a fazer arranjos
de voz e cordas para as músicas. No final de 68 Nick
se apresentou num festival folk anti-guerra e acabou impressionando
Ashley Hutchings, baixista do grupo inglês Fairport
Convention, que o recomendou para o consagrado produtor folk
Joe Boyd. "Você deve ligar para Nick Drake",
disse Ashley a Boyd. O produtor ligou e se encontrou com o
músico. Logo percebeu que suas canções
eram especiais e convidou o cantor para gravar um disco. Não
recebeu uma resposta segura, mas era uma resposta: "Ah,
bem, ok". Foi assinado então um contrato com a
Island Records, através de um pequeno selo, Hannibal.
E Nick largou os estudos em Cambridge.
As gravações
iniciais de "Five Leaves Left", seu primeiro disco,
não foram tão satisfatórias. Ele não
estava gostando dos arranjos e resolveu chamar Robert Kirby,
seu amigo de Cambridge, para trabalhar nas canções.
A primeira foi "Way To Blue" que acabou assustando
Boyd e John Wood, engenheiro de som, por não ter violão.
Seria apenas a voz de Nick e um duplo quarteto de cordas.
Boyd relatou: "E eu acho que eles estiveram ensaiando
isso, mas John estava ligando e posicionando os microfones
e eu pensei: Bem, não vou me preocupar até tudo
acontecer. E então John ouviria uma - sabe, as violas,
os cellos - e ouvir esse tipo de linhas intrigantes, e eu
estava ficando cada vez mais impaciente; e eu lembro de John
ter sido ríspido comigo porque eu disse: Vamos lá,
eu quero ouvir a coisa toda. Ele disse 'Seja paciente'. E
então finalmente todos os microfones começaram
a funcionar e nós ouvimos Nick cantando. Olhamos um
para o outro e dizendo: Isso é demais. Isso é
maravilhoso. Nós estávamos absolutamente atônitos".
Os trabalhos duraram alguns meses e havia uma canção
que merecia um som especial, "River Man". Nick queria
que essa música tivesse eco de seus compositores clássicos
favoritos. Kirby admitiu que não estava a altura dos
anseios de Drake e Boyd contatou o arranjador Harry Robinson.
"River Man" foi gravada ao vivo: voz, violão
e orquestra.
"Five Leaves Left" saiu em setembro de 1969 causando
surpresa em Gabrielle Drake que não sabia que seu irmão
já havia chegado a um estágio tão alto.
O disco foi bastante elogiado pela crítica, mas não
vendeu bem. Nick fez poucos shows. Não gostava deles.
Era tímido e não conseguia ser simpático
com a platéia. Além disso, suas canções
eram complexas demais para serem tocadas em arranjos muito
simples.
Em busca de sucesso e reconhecimento
como artista Nicholas deixou Cambridge e se mudou pra Londres,
onde nunca teve endereço fixo. Morou em vários
apartamentos, todos sem mobília, com caixas de leite
espalhadas pelo chão e um violão encostado na
parede. Nessa época compôs as canções
de seu segundo disco, "Bryter Layter", que levou
9 meses para ficar pronto. Era ainda mais sofisticado que
o anterior, com instrumentos como flauta, cravo e naipe de
metais. Porém era um disco mais alegre. Contou com
algumas participações especiais: o pianista
Chris McGregor registrou um solo perfeito na jazzística
"Poor Boy" e o ex-Velvet John Cale, que tinha se
apaixonado pelo primeiro disco de Nick, fez questão
de tocar no álbum. Cale tocou cravo e órgão
hammond nas duas mais belas canções de "Bryter
Layter": "Fly" e a sublime "Northern Sky".
Se esperava muito sucesso de
"Bryter Layter", o que acabou não acontecendo.
Isso deprimiu Nick de forma devastadora. A gravadora, entretanto,
estava satisfeita com as 15 mil cópias vendidas. Nick
fez ainda menos shows que na turnê anterior e deu sua
primeira entrevista, que acabou sendo um fracasso. Nela Drake
depreciava o disco e se dizia pouco seguro para enfrentar
o palco.
A Morte
O cantor foi ficando cada vez mais retraído.
Doenças físicas, como uma pedra no rim, surgiram
causando muita dor. Às vezes desaparecia sem dar notícias
e seus pais tinham que ir a Londres procurá-lo. Nick
se consultou algumas vezes com um psiquiatra que lhe receitou
três anti-depressivos diferentes. Segundo o médico,
era um caso de depressão interna sem fatores externos
concretos. O dono da Island, Chris Blackwell, então
lhe emprestou seu apartamento na costa espanhola, onde Drake
passou algumas semanas. Voltou se sentindo melhor e querendo
gravar um novo disco.
Entrou no estúdio com
John Wood e em duas noites gravou "Pink Moon", seu
disco mais triste e simples, contendo arranjos compostos apenas
por voz e violão, além de um piano ocasional.
"Pink Moon" vendeu ainda menos que os antecessores
e Drake acabou voltando a morar na casa de seus pais em Tanworth-In-Arden.
Quando se sentia melhor viajava a Londres. Numa crise chegou
a ficar um mês e meio internado numa clínica
devido à depressão que o impedia de andar e
falar.
O cantor jogava a culpa de
seu fracasso comercial em Joe Boyd:
"Um dia em Londres, o meu telefone toca e era Nick, em
um telefone público, e ele estava muito agitado querendo
falar comigo. E eu disse: 'Ok, venha'. E ele veio. Ele parecia
terrível: seu cabelo estava sujo, a barba por fazer
e as unhas também sujas. E ele usava um casaco gasto.
Estava meio inseguro, muito nervoso. Sentou e imediatamente
começou a falar da sua carreira, sobre dinheiro e era
basicamente acusador. Dizia: 'Você disse que eu sou
bom, mas ninguém me conhece, ninguém compra
os meus discos. Eu não entendo. O que está errado?
De quem é a culpa?'. Ele estava zangado. Eu tentei
explicar que não há garantias - que você
pode fazer um grande disco e que às vezes ele não
vende".
Com o fracasso na carreira de músico começou
a trabalhar como programador de computadores, emprego que
seu pai lhe conseguiu. No começo de 1974 entrou em
estúdio novamente, mas acabou abortando o que seria
seu quarto disco por não estar feliz com os resultados.
Nesse ano também morou na França por alguns
meses com uns amigos em uma casa-barco. Na noite de 25 de
novembro, o inevitável.
Nick foi dormir mais cedo que o normal. Costumava ter noites
ruins e aparentemente levantou no meio da madrugada para tomar
suas pílulas de Tryptzol. Na manhã seguinte,
foi encontrado atravessado na cama por sua mãe com
vários discos espalhados no chão. No prato do
som, um dos concertos de Bach. Estava morto. Sua morte aconteceu
por volta de 6 da manhã por overdose de Tryptzol. Até
hoje se discute se foi acidental ou se ele realmente quis
se suicidar. A primeira corrente consiste numa parada cardíaca
causada pelo antidepressivo. A família afirma que ele
estava mais feliz na época de sua morte e que não
se mataria. Entretanto, o juiz que investigou o caso afirmou
que foi suicídio. Nick Drake está enterrado
em um cemitério de Tanworth-In-Arden.
Mais importante do que discutir
se sua morte foi proposital ou não é se deliciar
com sua música, essa sim perfeita. Fiquemos com sua
sensibilidade, sutileza e maestria. Até porque emocionar
de verdade não é pra qualquer um.

A casa de Tanworth-In-Arden
Em vida foram três álbuns
oficias de estúdio. Entre "Bryter Layter"
e "Pink Moon" a gravadora Island, detentora do catálogo
da indie Hannibal, lançou uma coletânea de material
dos dois primeiros álbuns chamada singelamente "Nick
Drake". Em 1986, outra coletânea, "Heaven
in a Wild Flower: An Exploration of Nick Drake", que
serviu como aperitivo para o verdadeiro banquete: "Fruit
Tree", box que reunia os três álbuns oficias
do músico mais um cd extra apenas com gravações
inéditas, "Time Of No Reply". Este álbum
de raridades saiu separado do box logo depois. Por último,
a coletânea mais completa do bardo: "Way to Blue:
An Introduction to Nick Drake". Recentemente, foi lançada
também a coletânea "Made to Love Magic",
com outtakes das gravações de seus três
álbuns, versões alternativas de alguns de seus
clássicos e uma música inédita, recém
descoberta: "Tow The Line". Alguns bootlegs circulam
com gravações caseiras (inclusive covers de
Bob Dylan) e outros takes das canções registradas
em álbum, mas destacamos aqui apenas seu material oficial.
Para os fãs, o jornalista
inglês Patrick Humphries escreveu uma biografia, intitulada
"Nick Drake - The Biography", lançada em
1998, que acaba com alguns mitos sobre sua breve vida, apesar
de não solucionar o mistério de sua morte.
Jonas Lopes
(publicado originalmente no Scream
& Yell)
Atualizado por Francisco Marés
Agosto/2004
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