Esta é a versão antiga da Dying Days. A nova versão está em http://dyingdays.net. Estamos gradualmente migrando o conteúdo deste site antigo para o novo. Até o término desse trabalho, a versão antiga da Dying Days continuará disponível aqui em http://v1.dyingdays.net.


discografia,
letras e reviews:

* principal
* complementar
* xmas singles

Home | Bandas | Letras | Reviews | MP3 | Fale Conosco

Review: Riot Act

avaliação:5.gif (119 bytes)

É sempre uma tarefa delicada falar de um novo disco do Pearl Jam, pois são sempre muitas variáveis envolvidas, muitas expectativas, muitas comparações com o que eles já fizeram antes, muitas questões relacionadas ao fato deles serem a banda de Seattle mais bem sucedida, etc. E também tem figura de Eddie Vedder por si só, personagem já integrado à mitologia do rock, por diversos motivos.

"Riot Act" saiu no fim de 2002 (é o sétimo disco de estúdio do Pearl Jam), e eu já li e ouvi as opiniões mais diversas sobre ele. Aliás, essa reação do público já se tornou um desdobramento natural pós-lançamentos da banda, pois vem sendo assim desde o terceiro disco, "Vitalogy": as opiniões são sempre bem segmentadas entre os que gostaram muito (geralmente os fanáticos pela banda), os que acharam ruim (por parte daqueles que estão sempre à espera de um novo "Ten"), e entre esses dois extremos está a maioria, aqueles cujas opiniões são pequenas variações da idéia de que o disco é bom mas nada de espetacular (esses são formados na maioria das vezes pela "crítica especializada" e pelos outros indivíduos não contemplados nesses três grupos já citados, ou seja, os "imparciais"). Uma idéia recorrente que dita mais ou menos esse sentimento do último grupo (e "Riot Act" não escapou dessa regrinha aí em cima) foi muito bem sintetizada pelo Alexandre, na nossa lista de discussão: "o Pearl Jam é o cachorro que perdeu os dentes, não morde mais... já não serve para cão de guarda, mas é um bom companheiro...".

"Riot Act" é um bom disco. Ninguém perde seu talento e sua criatividade de uma hora para outra, e com Eddie Vedder, Matt Cameron, Mike McCready, Jeff Ament e Stone Gossard não foi diferente. Eles estão apenas mais contidos, mais cientes do que querem e podem com sua música. Trilhando o caminho que a banda parece ter estabelecido para si mesma após o fim do auê em cima de Seattle, o Pearl Jam não quer mais ser um gigante, não quer estar em evidência a cada passo que der, não tem mais grandes pretensões. Parece que a banda se contenta em ir lançando seus discos e agradando sempre àqueles que se identificam com sua filosofia, deixando para trás sem arrependimentos os falsos fãs e as situações de outrora. Ah, e claro, que se dane a crítica. Fazendo questão de manter sua integridade e sua liberdade de fazer música a seu jeito, o Pearl Jam segue em frente, doa a quem doer, e "Riot Act" é mais um capítulo dessa jornada.

Musicalmente falando, podemos introduzir o novo disco traçando paralelos com a discografia do grupo. Esse artifício funciona muito bem para aqueles que têm intimidade com os trabalhos anteriores, já que, enquanto vamos ouvindo "Riot Act", notamos facilmente diversos elementos diluídos ao longo das músicas que nos fazem lembrar de discos como "Yield", "No Code" e até do "Vs". A banda não chega a se repetir, mas isso reforça novamente a impressão de que a pretensão musical do Pearl Jam agora não alça vôos muito altos. Não vou entrar no mérito da discussão "evoluir X não evoluir" (usando "evoluir" no sentido que a maioria das pessoas erroneamente atribui a essa palavra: apresentar mudanças), apenas vou me limitar a dizer que "Riot Act" é do tipo de disco que põe por terra aquela idéia de que um disco, se não mostra nenhuma evolução mais contundente com relação aos trabalhos anteriores, não pode ser bom. Mudanças significativas e novas sonoridades não são obrigatórias: honestidade e talento são sempre, independente disso resultar em mudanças ou não.

Seguindo essa premissa, podemos começar não-situando o disco: para a decepção dos saudosos dos velhos tempos, sedentos por peso e Eddie Vedder pulando alucinadamente nos shows, "Riot Act" não tem a densidade sufocante de "Ten", não tem o peso e a overdose de guitarras de "Vs" e muito menos a urgência de "Vitalogy". A banda continua se distanciando de tudo isso em "Riot Act", que possui todo um clima de gravações relaxadas, músicas mais espontâneas e instrumental mais sujo. Em suma, "Riot Act" é uma continuação natural do que a banda vem fazendo a partir de "Vitalogy", respeitando sempre a opção de não se expor mais tanto quanto antigamente. Ouvem-se sim muitos ecos de "No Code" e "Yield", os discos que fizeram muita gente mudar o seu conceito sobre o Pearl Jam, para o bem ou para o mal. Algumas guitarras rasgadas aqui e ali podem até lembrar o "Vs", mas isso não é algo que a banda tenha abandonado por completo em nenhum dos discos mais recentes. E para aqueles que tinham medo de que "Binaural", certamente o trabalho menos inspirado do grupo, indicasse que o fôlego estava acabando, "Riot Act" veio na hora certa apagar esta impressão. O disco é mais coeso do que se antecessor e apresenta vários momentos realmente excelentes.

Aprofundando um pouco mais: a primeira metade de "Riot Act" é muito boa, já a segunda não segue o mesmo ritmo, mas não compromete. O Pearl Jam esbanja maturidade, com as letras de Eddie Vedder sempre um nível acima da média e a autoria das composições mais bem distribuídas entre os 5 músicos (dando continuidade a uma tendência mais explícita de "Binaural"). A seção instrumental continua mais contida e "na manha", sem muitos espaços para investidas mais eloqüentes por parte dos guitarristas Stone Gossard e Mike McCready (como antigamente), mas sempre correta e inflada de feeling, aquilo que sempre foi o forte do Pearl Jam ao meu ver. Outro sinal dos tempos muito bem vindo é a produção excepcional, que equilibrou muito bem todos os elementos gravados, além de preservar uma certa vivacidade das guitarras que geralmente é limada em produções muito cuidadosas e cristalinas. A banda soa muito à vontade, bem entrosada (Matt Cameron está definitivamente integrado) e até com um certo ar garageiro em algumas faixas. Finalmente, vamos às músicas:

"Can’t Keep" abre "Riot Act" muito bem, com bateria marcada e guitarras sombrias se estendendo desconexamente enquanto Vedder canta em círculos que sempre chegam em "you can’t keep me here". Uma canção simples e que parece que vai explodir a qualquer momento, o que não acontece: a banda segura o ímpeto e o faz bem, lembrando a abertura de "No Code". "Can’t Keep" em si lembra os melhores momentos de "Binaural", em músicas como "Sleight of Hand", "Nothing as it Seems" e "Parting Ways", onde a banda explorou texturas mais nebulosas e saiu-se bem. "Save you" vem a seguir e levanta o clima, com a dupla de guitarras disparando riffs e solos bastante bacanas, acompanhados do teclado de Boom Gaspar (Adam Kasper, que produz o disco, também contribui tocando piano em outras faixas). O refrão é chicletudo, a animação é contagiante e a música vem permeada por uma camada leve de sujeira que ressalta o seu valor. Nada que vá entrar para a história, mas esse não é mais o objetivo do Pearl Jam mesmo.... essas duas músicas formam uma boa abertura de "Riot Act" e dão o tom de como o disco irá desenrolar-se.

"Love Boat Captain" segue a linha lírica manjada de "love is everything" (que na versão Vedderniana, virou "All you need is love", uma variação não muito inspirada, temos que admitir). Ele mesmo admite na música que "It's already been sung" e desculpa-se a seguir dizendo que "but it can't be said enough". Parece atualmente que toda banda gosta de ter pelo menos uma música em que declara o quão importante é o tal do "love", não em nível de relacionamento entre duas pessoas, mas em um sentido maior, mais humanitário. Bastante sintomático isso... mas voltando à música, ela tem uma estrutura "crescente" interessante, com teclados novamente bem presentes, e acaba funcionando legal. De novo nos remete a um disco anterior da banda: "Love Boat Captain" se encaixaria muito bem em "Yield".

A quarta faixa, "Cropduster" é excelente, uma música muito inspirada e bem acabada, com melodia, guitarras, vocal, tudo encaixadinho perfeito. Uma pérola rock ´n´ roll espertíssima, onde a banda toda acerta em cheio a mão. "Ghost", que vem a seguir, é emblemática. A música no geral é legal e segue muito bem até o refrão, quando aparecem uns backing vocals ("away, away") que acabam botando tudo água abaixo. Mas é emblemática porque muitas pessoas gostaram desse pequeno detalhe, enquanto que para outras tantas ele realmente comprometeu a música! Ouça e tire suas conclusões. Fora isso as guitarras são novamente um show à parte, maciças e empolgantes.

"I am Mine", o primeiro single do álbum, é outra faixa bastante inspirada, uma ode à importância de se conhecer. Novamente a banda apresenta-se mais cautelosa sonoramente do que nos velhos tempos, mas inunda a música com guitarras e teclados que criam um clima circunspecto e sereno. Eddie canta com muita propriedade ("I know I was born and i know that I'll die, the in between is mine, I am mine") preenchendo a canção com sua voz em tom de conselho e reflexão, e o clima intimista, que desemboca em mais um refrão memorável, remetendo a "Given to Fly". Um dos pontos altos de "Riot Act".

Um violão amargurado e devagar introduz "Thumbing my Way" após o fim da pregação em prol do individualismo de "I am Mine". Temos aqui uma baladinha muito bonita e simples, pontuada por uma guitarra country muito bem encaixada e tristeza tocante. Eddie Vedder canta cabisbaixo versos como "I have not been home since you left long ago... I'm thumbing my way back to heaven..." e mostra que sua habilidade para compor canções desse tipo permanece afiada. A música dá uma leve pisada na bola no finalzinho, quando Eddie tenta encaixar um verso um pouco longo em um trecho mais curto, e acaba acelerando um pouco seu vocal de maneira torta... mas a música se redime logo a seguir com a bateria mudando um pouco o ritmo e criando assim um trechinho rápido mas muito bonito.

"You Are" é o momento-experimental de "Riot Act". A música possui uma sonoridade toda diferente, com guitarras quadradonas e robóticas, e o resultado é apenas razoável. "Get Right" vem a seguir trazendo de volta o rock ´n´ roll direto ao ponto. É curta e certeira, lembrando bastante "Brain of JFK" com seu refrão matador. Quase emendada no final de "Get Right" inicia-se "Green Disease", a canção mais surpreendente do disco. Com uma levada muito bem sacada, acelerada e de melodia que pega instantaneamente, essa faixa lembra muito "MFC". Curtinha e cativante, com guitarras, baixo e bateria trabalhando juntos em perfeita sincronia em prol da boa música. Sem dúvida, uma das melhores músicas de 2002.

"Help Help" é a décima primeira faixa e anuncia o pedaço mais fraco de "Riot Act". A música começa vacilante e demora para engrenar, parecendo não chegar a lugar nenhum e ficando apenas no razoável. A faixa seguinte, "Bushleaguer" começa com Eddie cantando em tom de discurso. É bastante quebrada e possui algumas mudanças de andamento interessantes, mas também não chega a empolgar. Nem mesmo a letra cheia de ironias e citações não muito difíceis de entender e o bom refrão salvam a música. E quando parece que o disco vai se perder no finalzinho, vem "1/2 Full", novamente rock ´n´ roll visceral e guitarras no talo levantando o clima. Essa faixa funciona como uma "Red Mosquito" parte 2, tal a sua similaridade com a canção de "No Code". Rockzão dos bons, guitarra solando direto em primeiro plano, final apoteótico e barulhento. Sem se esforçar muito a banda consegue ainda empolgar qualquer um!

Antes do disco acabar, ainda há tempo para uma faixa-vinheta sem sentido chamada "Arc", o que já é tradicional no trabalho do Pearl Jam. Dispensa maiores comentários (até que eles caprichavam mais nessas coisas antigamente). E por fim, "All or None" fecha "Riot Act" de maneira sóbria e melancólica, leve e descompromissada. Lembra o fim de "Vs" e "No Code", com "Indifference" e "Around the Bend" respectivamente.

"Riot Act" flui muito bem. Como já foi comentado, apesar das referências todas acima, o disco não soa repetitivo. O conjunto dessas músicas se encaixa de maneira natural e harmônica, principalmente ao longo da primeira metade do álbum. A banda pode até vir a, no futuro, lançar novamente algo diferenciado, experimental, arrebatador, sei lá. Mas aparentemente o Pearl Jam seguirá lançando discos como "Riot Act": simples, sinceros, familiares e com boas letras e boas guitarras. A agradável e confortante companhia daquele fiel cão amigo de longa data. A grande questão relacionada aos discos do Pearl Jam deverá continuar sendo a expectativa que se cria em torno deles. E a exemplo de "Riot Act", tendo-se em mente o que se pode esperar desses 5 senhores, dificilmente sai-se arrependido.

Fabrício Boppré