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Em "Vs",
o Pearl Jam estava afiado e faminto como nunca. A banda
ainda tinha tacos de barulheira inconsequente para queimar,
ao mesmo tempo que ganhara uma identidade a ser lapidada
e um imenso público para satisfazer. Seu primeiro
disco, "Ten", de 1991, os levou para além
da estratosfera, sendo que o esperado era que a banda
no mínimo mantivesse o nível. |
E o curioso é que essa expectativa,
apesar de gigantesca, analisando historicamente hoje, nem
é muito relevante, pois a impressão é
que a banda atropelou o mito do segundo disco sem sequer sentir
cócegas: era desde cedo um grupo destinado a ser adorado
por muitos, subestimado e superestimado por outros tantos,
na mesma medida. Não que a banda assim o quisesse,
mas daí já é outra discussão.
O fato é que o grupo
não se intimidou diante do desafio. Lançou um
grande disco, que já mostrava sinais efetivos de maturidade
e ainda mais pegada do que o debut. Os dois trabalhos que
viriam a seguir são provavelmente suas melhores obras:
"Vitalogy" é o álbum mais diferenciado
da banda, e o mais próximo que o Pearl Jam chegou até
hoje da genialidade, e "No Code" é o elo
de ligação entre aquilo que a banda foi em seu
princípio e é hoje, condensando essas duas facetas
de forma primorosa. Mas "Vs" é imbatível
no feeling e na quantidade de grandes composições
- "Ten" é um adversário de nível
nesses aspectos, mas é um disco dificil de se ouvir
hoje, enquanto que "Vs" ainda soa fresco e criativo,
o Pearl Jam em seu auge.
Neste segundo trabalho, a tática
é quase covardia: 1) Eddie Vedder está cantando
muito e todos os membros mandam muito bem em seus instrumentos;
2) as composições são menos retas e mais
surpreendentes do que aquilo apresentado em "Ten",
e com o mesmo nível de excelência em matéria
de melodia; 3) os caras descem o braço sem piedade
em boa parte das músicas, e por fim; 4) se dão
ao luxo de gravar duas daquelas músicas que entram
no seletíssimo grupo das músicas perfeitas.
"Vs" é basicamente isso. Possui elementos
para arrebanhar ainda mais fãs e credenciar o grupo
a, naquela altura, ser um dos de Seattle que provavelmente
escaparia do destino esvaecente do grunge.
A sequência de abertura,
Go e Animal, é contundente: a primeira é frenética
e carregada, guitarras despolidas no talo sobrepondo-se em
profusão. Animal é não menos vigorosa,
puxa mais pra melodia, mantendo a garra. Com essa abertura
incendiária, o Pearl Jam já mostra que estava
encaminhando mais um clássico, assim como fizera em
seu primeiro disco. Mas a similiaridade com a abertura de
"Ten" fica por aí: sai a densidade sufocante
em prol do punch esmagador. Sai também a produção
pobre e sombria e entra a competência de Brendan O'Brien
- consequência positiva do estrelato.
A terceira faixa começa
e nada explode, mas o nível aumenta. Daughter vai na
base dos violões e do carisma de Eddie Vedder, que
manda muito bem em uma das faixas relax do disco. No desenrolar
da música, Mike McCready e Stone Gossard tomam a frente
novamente com suas guitarras, construindo um fim que fica
meio que em aberto, e nos shows eles costumavam usar isso
muito bem como uma ponte para algum cover (como Another Brick
in the Wall no fabuloso bootleg "Live in Atlanta",
disponível para download aqui).
Glorified G é, das canções
mais descontraídas do Pearl Jam e junto com Satan's
Bed, aquela que eu mais gosto. Geralmente as tentativas da
banda nesse sentido não são muito bem sucedidas
ao meu ver (acho Do the Evolution, Evacuation e Don't Gimme
No Lip muito fracas, por exemplo), mas aqui eles acertam a
mão. O que já não acontece na faixa seguinte,
que é o único ponto baixo do disco, merecedor
de um forward: Dissident me soa uma música meio...
gordurosa. Tá tudo certinho, as guitarras bem sincronizadas,
os solinhos, o vocal sempre emocionante de Vedder, o refrão,
mas a receita não fica boa no fim, enjoando rapidamente
e sem acrescentar nada.
A faixa seguinte faz você
esquecer Dissident logo. WMA (White Male American) é
um dos pontos mais altos de "Vs": batida tribal,
backing vocals ritualísticos, baixo ditando o ritmo,
guitarras esparsas e macabras, refrão marcante. Uma
música turbulenta, que fica ecoando na cabeça
por horas e horas depois de sua audição. De
quebra, uma boa letra politizada sobre autoridade, o que prova
que essa característica da banda não é
de hoje.
Blood põe tudo abaixo
sem dó e nem refresco, uma porrada ensurdecedora alucinante.
Vedder solta a garganta sem o menor senso de auto-preservação
("it's / my / bloooooooood") e o então baterista
Dave Abbruzzeese destroça seu kit nos menos de 3 minutos
da música. Os ouvidos ainda estão zunindo quando
inicia-se Rearviewmirror, a primeira canção
perfeita do disco. Esta é uma das músicas mais
queridas pelos fãs do Pearl Jam, e com todos os motivos.
Não há muito o que falar de uma música
perfeita: a se destacar novamente o vocal de Eddie Vedder
- bastante contido ao longo da canção, mas explodindo
no clímax ("saw things / saw things / saw things
/ saw things / clearer / clearer / once you / were in my /
rearviewmirror") - e o entrosamento excepcional da dupla
McCready e Gossard.
Três boas faixas pavimentam
o fim do álbum. Nada de excepcional, mas que conseguem
manter o bom nível que imperou até aqui: Rats
fala de ratos (ou homens?) com baixo e guitarra duelando em
igualdade, e Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
("longest title in the Pearl Jam catalog") é
uma baladinha meio insípida, que não chega a
ter condições de ser comparada com outras baladas
mais inspiradas do Pearl Jam, mas tem lá suas virtudes.
Leash é a última paulada do disco: rasgada e
empolgante até o limite, na medida para fazer um show
se transformar em um inferno. Aliás, música
para show é o que não falta aqui.
O melhor e mais surpreendente
de "Vs" fica reservado para seus últimos
minutos. Novamente, o dilema: o que falar de uma música
perfeita? Indifference é singela, baixinha, levada
no baixo e nos teclados, guitarra solando precisa e sutil
e Eddie Vedder em mais uma atuação de gala.
A pergunta "how much difference / does it make?"
encerra "Vs" de um jeito que não poderia
ser melhor.
1993 assistiu o Pearl Jam vender
mais de um milhão de discos em menos de uma semana,
uma marca impressionante. Passados mais de 10 anos, a banda
continua na estrada, sem o estardalhaço de antes, mas
com uma base fiel de fãs que acompanhou a evolução
do grupo. A artilharia pesada de "Vs" dificilmente
se repetirá, e este disco deverá ser para sempre
o auge do Pearl Jam nesta categoria. Não é brilhante
do início ao fim, mas duas músicas perfeitas
em um mesmo álbum é algo para poucos, por isso
as 5 estrelinhas lá em cima são mais do que
justas. |