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Review: Trompe Le Monde

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Existem álbums que a gente sabe que não são os melhores que uma banda produziu em sua discografia, mas que, entretanto, eles possuem um magnetismo especial capaz de torná-lo particularmente mais importante para você. Esses discos às vezes não são dotados de canções brilhantes, tampouco significam uma quebra de barreiras ou uma revolução em um estilo.

Eles apenas estão lá na sua coleção e quando você enxerga a caixinha dele no porta-CDs, você sabe que ali dentro tem várias recordações e momentos significativos que de uma maneira inexplicável repousam junto àquele disco de plástico. "Trompe Le Monde", o último disco dos Pixies é, para mim, mais um desses exemplares capaz de mostrar que muita coisa que eu escutava no passado ainda pode ser relevante nos dias de hoje.

Falar de Pixies é complicado, embora ninguém resista e sempre acabe dando sua palavrinha a respeito deles. Banda cult e essencial na história do rock, é um caso onde sua invejável reputação foi disseminada entre os fãs através do bom e velho K7, da troca de vinil e da famosa propaganda boca-a-boca. É impressionante constatar que, em tempos de um único veículo de comunicação musical como a revista Bizz, os Pixies tenham sedimentado legião tão expressiva e consistente de fãs em nossas terras. Embora alçados a momentos mais notórios como a ultraexposição da faixa "Here Comes Your Man" (talvez a "Anna Julia" deles?) , foi através da propagação underground, da sugestão do irmão mais velho ou do colega de aula que você deve ter conhecido esse maravilhoso quarteto de Boston. Quando escutei-os pela primeira vez, o fiz por influência da revista Bizz, que estampou o disco "Doolittle" naquela coluna onde os críticos colocavam o ícone de um sorriso para um disco bom e uma cara fechada para discos ruins. "Doolittle" tinha só sorrisos. Ganhei-o de natal, em vinil. Através de um K7 emprestado de um amigo, consegui a dobradinha "Come On Pilgrim/SurferRosa" sem saber que se tratavam de discos diferentes. "Bossanova" eu comprei em CD, ainda tenho-o em minha coleção. A edição nacional da gravadora Stilleto decepou o encarte e colocou a capa e as 4 fotos dos integrantes. Mas, em meio a ebulição de bandas no início dos anos 90, "Trompe Le Monde" chegou até mim em mais uma fita K7 que um colega gravara direto da rádio Ipanema FM. Sob recomendações "escuta que tá do caralho" eu encontrei nesse CD as músicas do Pixies que mais têm a minha cara.

O álbum nasceu quase que simultaneamente ao estouro de uma nova geração de músicos que se baseavam sobretudo nos... Pixies. Ao mesmo tempo que o quarteto fechava o livro, um nanico temperamental de Seattle abria uma nova enciclopédia. Alheio ao emergente rebuliço que o rock alternativo vinha causando nas paradas mundiais, "Trompe Le Monde" se encarregava de largar os últimos suspiros de rock barulhento e misteriosamente encantador que Black Francis e trupe sabiam fazer como ninguém. "Trompe Le Monde" não tem a urgência de "SurferRosa", não tem a consagração de "Doolittle". Talvez tenha muito da maturidade de "Bossanova" e ao meu ver, corrige alguns problemas de direcionamento que o lançamento anterior teve. É o disco mais Black Francis de todos, com suas letras espaciais e sua inclinação a um rock um pouco mais elaborado, tanto no abandono do punk primal como na inserção de outros instrumentos como os teclados. E é um dos poucos casos de discos de despedida em que a banda conseguiu se reinventar e oferecer um produto à altura do que o fã podia aguardar.

"Trompe Le Monde", a primeira faixa, é uma ode ao jeito Pixies de se fazer música: rápido, vocal maneiro e guitarras emulando alarmes atravessam a canção. O humor de Francis muda conforme a canção - começa empolgado e puxa o freio na metade (we went to the store and bought something great/which samples this song from washington state), fazendo aquelas variações rítmicas que sempre nos embasbacam. "Planet Of Sound" é mais "SurferRosa", punkzão com baixo marcadão (baixo esse que Deal fez questão de transportar para as Breeders) e refrão esporrento que não tem como não gritar junto. "Alec Eiffel" inova porque dá muitas responsabilidades aos teclados. Nessa faixa têm-se um preview do que o líder almejava em termos músicais, que depois convergiram em seu primeiro disco solo. O trecho oh alexander i see you beneath/the archway of aerodynamics é um dos que mais me agrada. "The Sad Punk" é uma pauleira de garagem que pàra na metade e nos bonifica com belas frases de guitarras, como se o vocalista tivesse tomado seu gardenal para baixar a bola. A cover de "Head On" é do cacete, já diria Renato Russo. "U-Mass" e a antiga "Subbacultcha" são mais inventivas em termos rítmicos, provocativas e menos centradas na pauleira tradicional. "Palace Of The Brine" e "Letter To Memphis" são verdadeiras aulas de como se construir uma canção pop sem abrir mão dos princípios alternativos. Extremamente belas e melódicas, elas talvez sejam as canções mais indescritíveis que os Pixies fizeram. Em "Memphis", o trabalho de Joey Santiago quase me faz chorar de alegria. "Bid Dream Of The Olympus Mons" têm um climão, "Lovely Day" é a última surf-music-frenética que eles fizeram e "Motorway To Roswell" investe novamente nas contruções melódicas que permeiam o trabalho. É um dos poucos álbums de despedida em que não se conseguia, no momento, concluir que o artista estava prestes a se fragmentar.

Os Pixies decretaram seu fim logo depois que o disco saiu, deixando muita gente sem entender o que tinha acontecido. Os conflitos internos e a necessidade de diferentes trabalhos desintegraram a banda, mas ao mesmo tempo a consagraram no hall das santidades do rock. Fala-se hoje numa possível reunião deles, com shows para relembrar o passado e reafirmar a importância - algo desnecessário e frustrante. Pixies é daquelas bandas que deram o sangue enquanto estiveram na ativa, produziram alguns dos melhores discos que já ouvi e não merecem ter seu passado colocado em cheque por motivos secundários. Que permaneçam as lembranças e os reluzantes discos em nossas prateleiras.

Vicente Moschetti
2003 - publicado originalmente no Baby Let's Rock!