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Review:  Queens of the Stone Age

avaliação:

Há certas coisas que atingem o final de seu ciclo e terminam com glória, deixando saudades e uma primeira sensação de que tudo passou muito rápido, de que não há motivos convincentes para que aceitemos esse final. Fãs de música sabem que as bandas e os artistas chegam em algum ponto de sua carreira onde tudo já foi feito e que a vida útil daquela proposta chegou ao fim.

O artista está desmotivado ou simplesmente reconhece que é hora de pendurar as chuteiras ou pular a cerca, dando um ponto final a uma bem explorada carreira. A minha geração está acompanhando essas ocorrências em muitas bandas que balançaram os anos 90, como o Nirvana (tragicamente, é claro), Smashing Pumpkins, Pavement, Helmet, Faith No More e muitas outras que cumpriram com seu papel na música daquela década.

Em alguns casos, os integrantes remanescentes tiveram sucesso ao avançar sobre outras praias e justificar uma carreira solo ou o projeto de uma nova banda, satisfazendo os órfãos com propostas geralmente diferentes, embora igualmente recompensadoras. Mike Patton criou sua própria chacrinha musical, Stephen Malkmus continuou alegrando a turma com suas músicas, Dave Grohl apoderou-se do planeta Terra. Artistas que souberam justificar o fim de seus célebres trabalhos apresentando alternativas que apaziguam a angústia do fã e abrem um novo leque de possibilidades. Com o Kyuss, banda cult texana da década de 90, o caso não foi diferente.

O Kyuss surgiu emulando o som pesado dos anos 70. Seu primeiro disco, o vinil independente "Sons Of Kyuss", e seu primeiro CD, "Wretch" são odes à música de bandas como Black Sabbath e Blue Cheer. A influência do deserto texano aliado à natural diversão proporcionada pelas drogas ajudaram a forjar o som da banda, que definiu o chamado stoner metal, música pesada e maçante feita sob influência de ervas naturais e outras substâncias. Tenho um bootleg aqui em casa em que o vocalista John Garcia, num intervalo entre músicas, confessa ao público: "Eu não sei quanto a vocês... mas eu só quero é fumar um baseadão.". Então o Kyuss, dentro dessa ótica, criou pelo menos dois discos clássicos de música pesada: "Blues For The Red Sun" e "Welcome To Sky Valley". A banda atraiu para si um corja de maconheiros e de fãs de metal, conquistando uma base fiel de fãs e adoradores, principalmente na Europa (é incrível o número de seguidores em terras holandesas). Josh Homme, então guitarrista e principal cabeça compositora da banda era venerado, sendo capaz de criar um estilo próprio marcado pela afinação grave, riffs memoráveis, repetição robótica e frases no estilo "zunido de mosquito". Os caras chegaram ao seu fim após o CD "...And The Circus Leaves Town", deixando uma horda de fanáticos abandonada.

Homme, o centro da banda, passou uns tempos fora da ativa, vindo a tocar como membro de suporte dos americanos do Screaming Trees em sua fase final. Após algumas turnês, Josh passou a exercitar um hábito que tornaria-se marcante em sua nova fase: as jams com músicos do seu circuito. Reuniões em estúdios caseiros regadas a produtos químicos produziam canções às vezes experimentais, às vezes afilhadas de sua antiga banda. Longe de qualquer profissionalismo ou pretensionismo, os caras queriam era deixar o lance rolar, sem grandes compromissos com formações ou mesmo gravadoras. Ao aceitar a inserção de uma de suas faixas na coletânea "Burn One Up", da gravadora Roadrunner, Josh batizou o projeto de Queens Of The Stone Age e lançou mais dois singles, dentro da (hoje finada) gravadora do artista independente Frank Kozik (célebre criador de pôsteres de rock). O som? Uma retomada do stoner do Kyuss, revigorado com experimentalismos e influências mil, colaboração da troca de experiências com diversos músicos . Menos atrelado a rótulos, o flerte com sons mais contemporâneos e universais transformaram o primeiro disco dos caras no mais perfeito amálgama entre o que o Kyuss fez, suas influências e a novas tendências de Josh.

O disco abre com "Regular John", canção que dá a tônica do álbum. Riffs bem sacados, guitarras "mosquito", criatividade, vocal característico de Josh, que teve de elaborar o som em função de sua voz (Garcia era um belo vocalista no Kyuss). A música é até hoje figurinha carimbada nos shows da banda e pano de fundo para longas jams. "Avon" é reaproveitamento de uma faixa das Desert Sessions (aquelas jams...) e "If Only" é a prova de que inteligência, feeling e riffs podem caminhar juntos. Funciona que é uma maravilha. O disco é recheado daquele espírito de rock de garagem, de elevação desse estilo à sua capacidade máxima. "Walking On The Sidewalks" explora outra característica marcante das Rainhas, que é a repetição robótica como pano de fundo para estripulias guitarrísticas. Todo aquele peso acompanhado pelos gentis vocais de Josh. "You Would Know" tem mais mosquitinhos e sonzinhos de robôs, sugerindo a influência de ficção científica vintage. "How To Handle A Rope" proíbe o cidadão a ficar indiferente e explosões guitarrísticas se entrelaçam com longos momentos climáticos em "Mexicola". "You Can't Quit Me Baby" revive o Kyuss e convida o ouvinte a uma incansável jam (que no Rock In Rio III foi acompanhada por percussão de capoeira).

Tudo isso serve como marco inicial de uma banda que rapidamente conquistou seu lugar nos camarotes do rock. Utilizando-se de muita originalidade e propriedade, o álbum é o mais seminal da carreira deles. Embora não flerte tanto com estilos mais mainstream, ele pede passagem e estende um paninho d tecido para quem estava chorando a aposentadoria do Kyuss, consolando o coitado e assegurando-lhe de que Sr. Josh Homme ainda tem muito o que explorar.

Vicente Moschetti
publicado originalmente
no Baby Let's Rock!, 2003