A
quem vamos enganar? É impossível mencionar o
nome Vaselines sem fazer referência ao Nirvana, e particularmente
a Kurt Cobain. Não fosse pelo Nirvana, o Vaselines,
até por sua natureza semiprofissional, ainda hoje seria
apenas mais um nome na cena que se desenvolvia na Escócia
durante a segunda metade dos anos 80, ao lado de bandas como
Pastels, Shop Assistants, BMX Bandits, entre outras, e sua
trajetória confirma isso.
O Vaselines foi formado em
1986, pelas entediadas e cansadas mentes de Eugene Kelly e
Frances Mckee em Edinburgo, na Escócia. Eugene e Frances
contavam com a ajuda de James Seenan no baixo e Charles Kelly
(irmão de Eugene) na bateria. Durante sua existência,
é bem provável que os integrantes da banda passassem
mais tempo nos pubs do que ensaiando, mas a idéia era
exatamente essa. "Quando começamos nós
estávamos cansados de tudo e queríamos somente
nos divertir, não queríamos ser profissionais"
- diria Eugene Kelly algum tempo depois do fim da banda. E
é isso que as canções de Kelly (escritas
com Frances) relatavam: vontade de se divertir e mandar o
profissionalismo pelos ares. Naqueles tempos em Edinburgo,
a cena roqueira era muito pequena e unida, todas as bandas
se conheciam e trocavam integrantes entre si. E foi numa dessas
conexões que o líder do conjunto The Pastels,
Stephen Pastel, sócio de Sandy McLean na gravadora
independente 53rd and 3rd Records, levou o Vaselines para
gravar pelo selo.
O Vaselines jamais
havia entrado num estúdio sequer para um ensaio,
e sua primeira experiência foi justamente a
gravação do hoje clássico single
“Son of a Gun”, de 1987, com produção
do próprio McLean. No mesmo ano a banda gravou
“Dying For It”, single que trazia também
“Molly’s Lips” e “Jesus Wants
Me For a Sunbean”, esta última com a
participação de Sophie Pragnell tocando
viola, sem dúvida o grande momento do Vaselines
em disco.
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Frances Mckee, a voz feminina do Vaselines.
Ao fundo, Eugene Kelly
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Nessa época, os singles
do 53rd and 3rd chegaram aos EUA por intermédio de
Calvin Johnston, líder do Beat Happening e fundador
do selo K Records, da cidade de Olympia. Calvin distribuía
material dos escoceses ao mesmo tempo em que teve singles
do Beat Happening editados no Reino Unido pela 53rd and 3rd.
Em 1989 o Vaselines completa
o seu primeiro álbum, Dum-Dum, que chegou
a ser lançado, mas o dinheiro era curto e a gravadora
fechou as portas no mesmo mês do lançamento.
Com o fim da gravadora, o Vaselines ficou sem perspectivas,
e se dissolveu logo em seguida. A história teria terminado
por aí, não fosse pelo que acontecia na efervescente
Olympia. Naquela época, Kurt Cobain morava na cidade,
e acompanhava de perto os movimentos da Calvin Johnston e
da K Records. Kurt se apaixonou pelo som do Vaselines, que
se tornou a influência mais imediata no som do Nirvana.
A devoção era tanta que Kurt tinha o logotipo
da K tatuado no braço. E à medida que o Nirvana
crescia, Cobain levava junto o nome do Vaselines, chegando
a dizer em entrevistas que "Eugene Kelly e Frances Mckee
são Lennon e McCartney alternativos". Kurt chegou
a escrever uma carta (não enviada) para Eugene que
dizia: “não quero parecer demasiadamente inocente
ou deslumbrado, mas as canções que você
e Frances escreveram estão, sem duvida nenhuma, entre
as mais belas já compostas”.
Em 1990 o Nirvana gravou seu
último single pela Sub Pop, justamente o cover de “Molly’s
Lips” do Vaselines, e tocou no Reino Unido durante a
turnê daquele ano. Para o show em Glasgow, Kurt pediu
que o Vaselines fizesse a abertura do show. Até hoje
foi a última reunião do Vaselines.
No ano seguinte, já
após o sucesso de Nevermind, o Nirvana voltou
ao Reino Unido para tocar no prestigiado Reading Festival.
Novamente Kurt convidou Eugene, desta vez para dividir
os vocais em “Molly’s Lips”, no
que foi a primeira experiência de Eugene num
festival daquele porte.
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Kurt Cobain e Eugene Kelly
dividem
o microfone no Reading Festival '91
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Ainda em 1991, o Vaselines
ganhou uma sobrevida com o relançamento do single “Dying
For It”, desta vez pelo selo Seminal Twang, já
extinto. O single teve a capa desenhada por Jad Fair (artista
e músico que mais tarde viria a gravar com o Teenage
Fanclub). Enquanto isso, Eugene já havia montado sua
nova banda, o Captain America (rebatizado como Eugenius tempos
depois, por questões de diretos autorais), e Kurt prontamente
usou camisetas da banda em diversos ensaios de fotos, ajudando
a divulgar o novo projeto de seu ídolo. O Nirvana ainda
gravou “Molly’s Lips” e “Son Of A
Gun” para o programa do DJ John Peel da rádio
britânica BBC, que mais tarde foram incluídas
na coletânea Inscesticide, de 1992. No mesmo
ano, a Sub Pop lançava nos Estados Unidos a coletânea
The Way of the Vaselines, uma cronologia completa
do trabalho da banda. Para o mercado britânico, o selo
Avalanche, responsável pelo espólio do 53rd
and 3rd, lançou All the Stuff and More, com
praticamente o mesmo conteúdo do seu equivalente americano.
Até as fotos disponíveis do Vaselines
são toscas
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O último
capítulo do legado do Vaselines veio mais uma
vez através do Nirvana, que regravou “Jesus
Doesn’t Want Me For A Sunbean” para o especial
acústico na MTV exibido em 1993 na TV e transformado
em álbum em 1994 após a morte de Cobain.
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O Eugenius
lançou dois álbuns durante os anos 90 obtendo
relativo sucesso antes de se dissolver antes do fim da década.
Eugene Kelly colaborou com vários artistas, entre eles
o Lemonheads, antes de embarcar em carreira solo, lançando
seu primeiro álbum em 2004. Frances Mckee esteve envolvida
em projetos diversos após o Vaselines, o mais prolífico
deles é a banda Suckle, na ativa até hoje, gravando
pelo selo fundado por Frances, Left Hand Records, em parceria
com a Chemikal Underground dos Delgados.
Danniel Abrahão / Alexandre Luzardo
agosto
2005 |