O Joy Division foi, e é,
uma das mais importantes bandas de rock da história. Fato
incontestável. A prova disso é o culto na qual é alvo até
hoje. Surgida em meio ao movimento pós-punk da prolífica Manchester,
de onde não paravam de surgir bandas, todas influenciadas
pela anarquia descabelada dos Sex Pistols. Ian Curtis, o genial
vocalista, morto no auge, vai continuar para sempre sendo
reverenciado pelo poder, lirismo e angústia de suas canções.
O grande mártir dos anos 80, suas lindas canções e sim, uma
bela história.
No célebre verão de 1976, a Inglaterra foi percorrida por
um ônibus lendário, carregando os Sex Pistols e os Heartbreakers
de Johnny Thunder para a turnê Anarchy in the UK. Quase todas
as prefeituras proibiram a turma de se apresentar. Mas, no
Free Trade Hall de Manchester, o show acabou acontecendo.
Na platéia, gente que no futuro seriam estrelas, como os futuros
membros de Buzzcocks, The Fall, Magazine, Duruti Column, Smiths,
e, é claro, Joy Division.
A idéia inicial de montar uma banda partiu de dois amigos
inseparáveis, Peter Hook e Bernard Dicken. Ian Curtis era
apenas um conhecido, um doido que andava por shows punks vestindo
uma jaqueta com a palavra "ódio" pintada. Através de anúncios
de jornal recrutaram Curtis, além de conseguirem um baterista,
Terry Mason. Diz a lenda que o grupo foi batizado de Stiff
Kittens ("gatinhos rijos") por Pete Shelley, o cabeça dos
Buzzcocks. Esta versão é contestada pelo livro An Ideal for
Living, onde está escrito que tudo começou na casa onde moravam
o empresário dos Buzzcocks e Howard Devoto (co-fundador do
grupo, que saiu pra montar o Magazine). Uma bela noite, uma
garota chamada Lou entrou na sala e disse: "Lá em cima está
cheio de gatinhos durinhos", anunciando que a gata deles havia
abortado toda a cria. Mas eles não estavam satisfeitos com
o nome, soava como uma banda punk qualquer, o que definitivamente
não era o caso. Optaram por Warsaw (Varsóvia), a partir de
"Warzawa", faixa de Low, de David Bowie, na qual Ian era fanático.
Este nome acabaria descartado para evitar confusões com a
banda londrina Warsaw Pact.
Estrearam abrindo um show dos Buzzcocks, no final de maio
de 1977, no Electric Circus - misto de galpão e night club
que durou só até outubro daquele ano, mas foi o vértice da
cena punk de Manchester. Comentário de um jornalista enviado
para cobrir o evento, sobre o Warsaw: "Nem o mais demente
metaleiro poderia se excitar com isso".
A banda ainda passaria o ano de 1977 como Warsaw. Ao mesmo
tempo que o punk tomava o poder e passava a ser a atração
mais "quente" do show-biz, o quarteto abria muitos shows por
clubes do norte da Inglaterra. O primeiro registro em vinil
acabaria sendo "At a Later Date", incluída num EP ao vivo,
gravado durante o fim de semana de despedida do Electric Circus,
Short Circuit. É ouvir e constatar: o Warsaw era apenas mais
uma banda punk, sem identidade além de um elo entre os Stooges
e os Buzzcocks. Demorariam cerca de um ano para forjar uma
alquimia sonora que deixaria uma marca incicatrizável no rostinho
"adolescente" da música pop. O novo batismo viria de um livro
sobre sadomasoquismo nos campos de concentração alemães, The
House Of Dolls. As chamadas "divisões da alegria" seriam os
espaços reservados para as prostitutas e presas mantidas vivas
para a diversão dos oficiais.
Começam a rolar constantes trocas de bateristas: sai Terry
Mason (que havia sido forçado pela banda a aprender e tocar),
entra Tony Tabac, sai Tony Tabac, entra Steve Brotherdale,
sai Steve Brotherdale... A banda resolve colocar anúncios
em lojas de discos com intuito de arrumar o batera definitivo.
O experiente Stephen Morris, faz alguns testes e entra para
a banda.
O Joy Division começa a investir na cena musical, e lança
de modo independente o EP An Ideal For Living. O disco não
foi bem recebido e teve má reputação. Porém, uma grande atuação
em um show no Rafters Club chamou a atenção do DJ local, Rob
Gretton (que viria a ser seu futuro empresário) e do apresentador
de TV e empresário Tony Wilson, dono da gravadora independente
Factory. Após uma tentativa frustada de lançar um disco pela
RCA, acabam assinando com Wilson. Logo sai uma coletânea da
gravadora, o EP duplo A Factory Sample, com duas músicas do
Joy Division ("Digital" e "Glass"), junto de outras bandas
como as fundamentais Duruti Column e Cabaret Voltaire. A banda
estava com o repertório pegando fogo, anos-luz dos rascunhos
do Warsaw.
Uma pessoa responsável pelo som poderoso do Joy Division é,
com certeza, Martin Hannet. Grande produtor, mixava de forma
inovadora o LP: colocou a bateria à frente de todos os instrumentos,
fora o baixo ultra-melódico de Peter Hook, por trás de tudo
a voz de Curtis, abrindo planos como o Saara dentro de uma
música essencialmente compacta. A guitarra de Bernard, pouco
aparecia. Ao ouvirem pela primeira vez a mixagem final do
álbum, reações distintas: Bernard e Peter odiaram (acharam
sombrio e pouco barulhento); Ian gostou; Tony Wilson, o chefão,
adorou; a imprensa, caiu de quatro.
Unknown Pleasures foi lançado em junho de 1979 e colocou jornalistas
dos quatro cantos da Inglaterra atrás da banda para marcar
entrevistas e sessões de fotos. Não aceitavam de jeito nenhum.
O disco era realmente maravilhoso: "Shadowplay", "Disorder",
a linda "She´s Lost Control", clássico atrás de clássico.
O que marcava as pessoas era a depressão das letras, que pareciam
vindas de um velho a beira da morte. Uma resenha, no semanário
inglês Sounds, intitulada Death Disco fez um comentário peculiar:
"Quem estiver com depressão quando ouvir este disco, vai se
atirar de uma janela". A popularidade da banda aumenta ainda
mais com o lançamento do single "Transmission". Ao vivo, Ian
Curtis tornava-se um espetáculo à parte, dançando freneticamente
e simulando espasmos convulsivos. Na verdade, o estranho balé
era uma alusão à epilepsia, doença controlável, à qual Ian
travava uma batalha incessável. Muitas vezes mal se podia
saber se eram convulsões verdadeiras ou se faziam parte do
show.
O novo LP era aguardado ansiosamente. Após uma turnê européia,
a banda vai para o Brittania Row Studios, de propriedade do
Pink Floyd, e onde o Floyd gravou o multiplatinado Animals.
A banda gravou rapidinho, no mesmo esquema do anterior, com
produção de Martin Hannet novamente, mas o resultado... foi
ainda melhor: Closer, lançado em 1980, é uma obra-prima
do começo ao fim. Um dos melhores discos dos anos 80, de todos
os tempos. Porém, em 18 de maio, Ian se vai. Havia traído
a esposa em uma turnê na Bélgica. Quando confessou o erro,
foi prontamente abandonado. Ouviu o ótimo The Idiot, de Iggy
Pop, um de seus ídolos e se enforcou. Ninguém da banda chorou
no funeral, e foi lançado Closer e o single de "Love Will
Tear Us Apart", que ironicamente se tornou o maior sucesso
da banda, e entrou pela primeira vez na parada inglesa. Em
breve, Closer também conseguiria o feito. O disco é realmente
maravilhoso: "Isolation" é genial com seu refrão, "Heart And
Soul", "Decades"...
Com a morte de Ian, os remanescentes do Joy Division, recrutam
a tecladista Gilliam Gilbert e montam o New Order, outra banda
genial com seus toques eletrônicos, uma evolução da banda
anterior. Mas isso é outra história. Começam a pipocar as
óbvias coletâneas póstumas. Still, coletânea dupla, saiu em
1981, com sobras de estúdio no disco 1 e último concerto da
banda no disco 2. Em 1988 saiu a ótima Substance, só com canções
que saíram em compactos, entre elas músicas raras como "Komakino"
e "Incubation". Permanet, de 1995, só reúne o essencial da
banda, é ótima para iniciados, mas não contém novidades. Genial
é a caixa básica Heart And Soul, de 1997, com versões diferentes
para clássicos e muita coisa ao vivo. Depois, surge o disco
ao vivo Preston 28 February 1980, lançado em 1999, um grande
show da banda, com versão de oito minutos para "The Eternal"
e uma raivosa interpretação de "Colony". Por fim, em 2001,
é lançado mais um registro ao vivo da banda, o disco Les Bains
Douches
Uma coisa é certa: a genialidade de Ian Curtis estará sempre
acima de oportunismos ou artistas que não honram o microfone
que seguram. Um ser eterno, o grande mártir dos anos 80. Suas
letras maravilhosas não vai sair da cabeça de seus fâs nunca.
"And Love, love will tear us apart again...".
Jonas
Lopes |