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Review: Here Comes That Weird Chill [EP]

avaliação:

Foi com alguma surpresa que o EP Here Comes That Weird Chill surgiu na discografia de Mark Lanegan. Era previsto desde o início de 2003 o lançamento de um novo álbum, que já tinha até título, Bubblegum, esperado para outubro.

Na última hora, o disco novo ficou para 2004, sendo substituído por este EPzinho com oito músicas inéditas (ou nove, se contarmos a versão extra de "Sleep With Me") que serve de amostra do que teremos pela frente.

Essa decisão aparentemente tomada às pressas, na prática mostra a que veio. Já era esperado que Bubblegum revelasse uma mudança significativa no som de Mark Lanegan, e Here Comes That Weird Chill se encaixa como uma necessária transição.

A mudança começa pelo nome, Lanegan assina o disco como Mark Lanegan Band, onde, mais do que dar um caráter mais definitivo aos músicos que o acompanham, o objetivo é dividir os créditos, já que a banda que o acompanha na atual turnê nem é mais a mesma que participou das gravações do disco. E nesse aspecto, o cara faz justiça. Mesmo que seu trabalho solo fosse absolutamente autoral, o resultado final sempre dependeu muito das parcerias, especialmente com Mike Johnson, que sempre dividiu com Lanegan a maioria das composições e era o principal arranjador nos discos anteriores. E aí está mais uma mudança, a maior ausência na Mark Lanegan Band é justamente Mike Johnson, que pela primeira vez não aparece nos créditos de um disco de Mark Lanegan. Quem aparece são os fominhas do Queens of the Stone Age, Josh Homme e Nick Oliveri, ambos se revezando nas guitarras, baixo, bateria e backing vocals. Também estão lá figuras ilustres como Greg Dulli (Afghan Whigs e Twilight Singers) fazendo backing vocal, e as participações guitarrísticas de Dean Ween (do Ween), Alain Johannes (Eleven) e Chris Goss (Master of Reality), todos figurinhas carimbadas com inúmeras referências e trabalhos elogiados em outras bandas.

No som, a principal mudança é na sonoridade, não tanto nas composições. Foi-se aquele bucolismo e pureza dos arranjos, cedendo espaço a um som totalmente urbano, neurótico, de muitas distorções e efeitos. Logo na primeira faixa que é o carro-chefe deste EP, "Methamphetamine Blues", o que ouvimos é baixo e vocais processados pontuados por uma batida mecânica que soa como marteladas e a guitarra desconcertante e desconexa de Josh que evolui como um enorme solo que se estende por toda a música. A melodia do vocal é puro Lanegan, com o trecho redentor que não sai da cabeça: "and I don't want to leave this heaven so soon", acompanhado por inúmeros backing vocals.

"On the Steps of the Cathedral" é provavelmente uma das esquisitices a que o título do disco se refere (o nome completo do álbum é Here Comes That Weird Chill / Methamphetamine Blues, Extras & Oddities). Trata-se de uma espécie de mantra, onde um trecho canção tradicional "He's Got The Whole World in His Hands" é repetido em meio uma confusão de melodias paralelas e vocais murmurados. Dura pouco menos de dois minutos mas o resultado é bastante intrigante.

Na seqüência surge a claustrofóbica "Clear Spot", com predominância das guitarras sujas em cima do vocal distorcido de Lanegan e bateria bastante abafada. É uma música bem "mexida", o encarte do CD não deixa dúvidas: tem muito Pro Tools nela. "Clear Spot" não ficaria de todo deslocada em um álbum do Queens of the Stone Age, mas a verdade é que trata-se de um cover do Captain Beefheart, músico bastante influente, porém obscuro, que marcou presença nos anos 60/70 com um trabalho absolutamente experimental. Quem conhece ou se der o trabalho de correr atrás do original vai descobrir que a versão da Mark Lanegan Band é bastante fiel e revela aí uma influência da trupe.

"Message to Mine" é uma surpresa, e ao mesmo tempo um paradoxo. Here Comes That Weird Chill, mais do que os discos anteriores de Mark Lanegan, não tem qualquer semelhança com o trabalho do Screaming Trees, que afinal foi a banda onde Mark Lanegan começou e foi o front man durante mais de 15 anos. No entanto, "Message to Mine" depois de um início sombrio com teclados cavernosos se revela um rock vigoroso, com refrão de cantar junto, que bem poderia estar em Dust, o belo último disco do Screaming Trees. Como em "Methamphetamine Blues", o baixo faz toda a base da música, deixando espaço para a guitarra solar o tempo todo.

"Lexington Slow Down" é o momento mais emocional do EP e relembra aquele clima de desesperança e desilusão que marcou principalmente Scraps at Midnight, de 1998. Trata-se apenas do vozeirão de Lanegan acompanhado por piano de muito eco, que garante uma grandiosidade a esta bela balada.

"Skeleton History" é bem QotSA, e decididamente um dos pontos altos aqui, lembrando os momentos mais apocalípticos de "Song for the Deaf", construída por um acordes simples de guitarra e baixo e bateria quebrando tudo e uma melodia urgente de Lanegan. Antes do primeiro minuto, a música dá uma parada total, de onde surge um surpreendente violão que introduz a segunda parte da música, que é conduzida por uma pequena variação do riff inicial. Quando a banda entra novamente quebrando tudo, é impossível não deixar um impacto avassalador no ouvinte.

"Wish You Well" tem uma levada bem característica do trabalho solo de Mark Lanegan, a diferença aqui é o arranjo, que conta com paredes de distorções. Bela música, mas seria impossível repetir o impacto da faixa anterior, quebrando um pouco o momento do disco. É o mesmo caso de "Sleep With Me", que soa como uma sobra de Field Songs trabalhada pelos novos parceiros, o que até não é nada mau, mas quebra a expectativa pelas novidades presentes em tantos momentos do disco. "Sleep With Me" ainda tem uma versão extra semi-instrumental, com algumas sutilezas diferentes no arranjo, e adição de ecos no vocal do primeiro verso (que é o único repetido nessa versão). Talvez a escolha da ordem do tracklist não tenha sido a mais acertada, já que se torna exaustivo ouvir a mesma música duas vezes na seqüência. Como curiosidade, as primeiras prensagens da versão americana do CD não vieram com a faixa-extra, numa bobeada da gravadora Beggar's Banquet que deixou muitos fãs irritados (a música está listada no encarte, mas não aparece no CD). Por sinal, é o primeiro lançamento de Mark Lanegan sem simpático selo da Sub Pop e a nova gravdora começou com o pé esquerdo.

Como balanço, Here Comes That Weird Chill sacia os fãs que esperavam o disco novo ainda em 2003. E, principalmente, deixa grandes expectativas para 2004, ao mostrar um Mark Lanegan confiante para experimentar novos horizontes e tranqüilo na sua posição de integrante de uma das poucas bandas respeitáveis do mainstream.

Alexandre Luzardo
dezembro/2003