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Sem
sobra de dúvida, o Smashing Pumpkins foi uma
das principais bandas dos anos 90. Agora, também
não há dúvida de que o Pumpkins
foi uma das bandas mais prolíficas da última
década. Billy Corgan é um sujeito que
compõe com uma facilidade espantosa, para ele
o ato de escrever uma canção é
quase tão corriqueiro quanto regar as plantas
ou escovar os dentes.
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O resultado disso é que mesmo tendo
lançado seis álbuns (dois deles duplos!) em
uma carreira de dez anos, o Pumpkins acumulou toneladas de
faixas inéditas nesse meio tempo. Para cada disco lançado,
a banda tinha praticamente um segundo somente com músicas
que sobravam. Esse material aparecia de alguma forma. Em 2002,
aproveitando o lançamento de uma coletânea dos
hits da banda, um cd com músicas e gravações
inéditas foi incluído como bônus no álbum.
Durante 1995 e 1996, os singles do álbum Mellon Collie
And The Infinite Sadness também traziam várias
faixas inéditas. Acabaram reunidos numa box set que
tinha no total mais de duas dezenas de canções.
Mas entre todas as coletâneas de material raro e inédito
dos Pumpkins, nenhuma jamais teve e jamais terá a importância
e o impacto de Pisces Iscariot, de 1994.
Dois, entre tantos motivos fazem de Pisces
Iscariot um disco especial. O primeiro, e mais óbvio,
é pelas músicas, que são tão boas
quanto qualquer uma que efetivamente entrou num álbum
oficial da banda. Mas um outro motivo é que o Smashing
Pumpkins nunca foi tão Smashing Pumpkins quanto em
Pisces Iscariot. Explicando: o Pumpkins sempre foi uma banda
ousada, que esteve sempre pronta para se reinventar e experimentar
novos caminhos a qualquer custo. O resultado é que
seus discos são completamente diferentes do outro,
do primeiro ao último, cada um aponta para um lado.
Já em Pisces Iscariot a banda aparece desprovida de
qualquer conceito, eles não estavam efetivamente buscando
nenhum caminho específico, tampouco se distanciando
de si mesmos. Eles estavam simplesmente sendo o Smashing Pumpkins.
Diverso, vibrante, único, especial.
O disco abre acústico na delicadeza
de "Soothe", apenas na voz e violão de Corgan.
Na seqüência, a explosiva "Frail And Bedazzled"
ataca vigorosa com uma pegada de guitarra e bateria contagiante.
"Plume" tem um andamento mais lento e pega pesado
nas distorções, é uma melodia bem delicada
com um acompanhamento de peso. "Whir" é tão
pura e delicada que chega a ser comovente, é o Pumpkins
atacando no acústico de novo, desta vez com baixo e
bateria acompanhando os violões e até uma guitarra
aparece para fazer suas firulinhas. Arranjo impecável,
melodia maravilhosa, mais um grande momento.
Blew Away é a contribuição
do guitarrista James Iha no disco. Até então,
é a primeira música que NÃO foi escrita
por Billy Corgan a aparecer em disco na carreira do Smashing
Pumpkins. Billy cita o fato no encarte "foi a primeira
música que eu não meti o nariz, e estou orgulhoso
disso...".
É mais uma bela canção,
naquele estilo que viria a marcar todas as demais composições
do James que ainda iriam aparecer nos próximos discos
e no seu trabalho solo. O vocal delicado e até certo
ponto, distante e etéreo do guitarrista acompanhado
por um arranjo magistral. Um dos destaques no arranjo é
o solo destruidor do próprio James, quase no final
da música, para fechar com chave de ouro.
Em seguida temos uma seqüência
de peso: Pissant e Hello Kit Kat. Pissant talvez seja a mais
agressiva do disco, tem um andamento rápido e propício
para não ficar parado. Não estranhe caso você
se pegue batendo cabeça involuntariamente. Já
Hello Kit Kat é particularmente maravilhosa, aquela
combinação perfeita da pegada da guitarra e
da bateria. Billy diz no encarte: "essa música
era para ter entrado no disco [Siamese Dream], mas os fantasmas
do Gish disseram não não não..."
Realmente "Hello Kit Kat", como
praticamente todas aqui, não merece o rótulo
"b-side" ou "sobra de estúdio".
Mas é isso que faz de Pisces Iscariot um disco tão
bem realizado e consistente.
Depois do peso vem mais delicadeza nas acústicas
"Obscured" e "Landslide". É possível
que se o Pumpkins reunisse as canções acústicas
de Siamese Dream e as de Pisces Iscariot para um disco inteiramente
acústico, seria um dos melhores de todos os tempos.
"Obscure" tem um belo refrão enquanto "Landslide"
emociona com facilidade. Na verdade "Landslide"
é um cover do Fleetwood Mac, banda de muito sucesso
nos anos 70, mas Billy Corgan se apropriou tão bem
da música, que efetivamente não soa como um
cover, é definitivamente uma das mais belas canções
desse disco.
"Starla", antes de falar da música
em si tem a historinha que todo fã do Smashing Pumpkins
já ouviu. Billy conheceu uma garota e perguntou seu
nome: "Starla" e ele "uau, que nome para uma
música!!!". Dois anos depois acontece de encontrar
a mesma garota numa festa e Billy: "e aí, ouviu
a música com seu nome?", e a garota: "meu
nome não é Starla é Darla..." dã...
Enfim, "Starla" é calma
e reflexiva. A música, não a Darla. O arranjo
é delicado, mas as guitarras ganham peso e até
psicodelia no final, que chega depois de mais de 10 minutos
de viagem.
"Blue" é bem típica
do Smashing Pumpkins de então, onde o que mais chama
a atenção é aquela "paradinha"
espetacular quando Billy canta 'for you, Blue'. "Girl
Named Sandoz" é um cover da música gravada
originalmente pelo Animals lá nos anos 60. Mais uma
vez, a interpretação é bem Pumpkins,
onde se a pessoa não ler no encarte que o compositor
não é Billy Corgan, não daria para desconfiar.
"Girl Named Sandoz" foi gravada ao vivo no estúdio
da BBC durante o famoso programa John Peel Sessions, e a sonoridade
um pouco mais suja da música é em decorrência
disso.
"La Dolly Vita" é mais uma
que traz ecos do álbum Gish, a linha melódica
do baixo e da guitarra é bem familiar e característica
do disco de estréia da banda.
"Spaced" encerra o disco de uma
maneira bem peculiar. Uma melodia relaxante misturada a murmúrios
com efeitos distorcidos põe fim a um disco impecável.
Claro que não se está querendo
dizer que Pisces Iscariot é o melhor disco do Smashing
Pumpkins. Com certeza a ousadia do Pumpkins o levou a chegar
muito mais longe em seus álbuns oficiais do que atinge
o que deveria ser uma mera coletânea de b-sides e sobras
de estúdio. Mas o fato é que Pisces Iscariot
vale muito a pena ser descoberto. |