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Poucas
bandas gozam do prestígio do Sonic Youth. Apesar
de nunca ter alcançado o sucesso comercial
de seus seguidores, sua influência acabou marcando
a história da música pop de forma incontestável,
graças a explosão do "grunge"
no início da década passada, um momento
único na história da música,
quando as bandas do underground saíram dos
porões e se viraram o mainstream de cabeça
para baixo, fazendo com que o seu som fosse o "acessível",
o "rentável", etc. |
Além de sua música ser uma
espécie de ponte entre o punk dos anos 70, o experimentalismo
do Velvet Undeground e o som de Seattle dos anos 90, Thurstom
Moore, guitarrista e líder não declarado da
banda, foi quem levou o Nirvana à Geffen, o que possibilitou
a explosão comercial desta e de todas as bandas que
acabaram despontando para as paradas em sua "carona"
(Smashing Pumpkins, Pearl Jam, Soundgarden, Pavement, etc.).
Goo foi o primeiro disco da banda por uma
grande gravadora, a Geffen, que um ano depois lançaria
Nevermind. Apesar de já ser uma banda veterana, com
5 discos nas costas (entre eles clássicos do calibre
de Sister e Daydream Nation), era uma situação
completamente nova para Thurstom, Kim, Lee e Steve. Dessa
vez fazer um grande disco não era suficiente; torná-lo
acessível para o grande público também
fazia parte do jogo, e para isso, teriam que mudar um pouco
da essência de seu som. Um disco como Evol jamais
seria satisfatório para os executivos, algo experimental
como Daydream Nation menos ainda. Apesar disso, não
poderiam mexer em demasia na sonoridade da banda, por motivos
óbvios: a integridade artística da banda e
o aval dos fãs que apreciavam a banda desde seus
primórdios. Visivelmente, não era uma situação
fácil, a banda precisaria de uma boa dose de criatividade
e um arsenal de grandes melodias. Felizmente, Sonic Youth
não é o tipo de banda que entra em estúdio
por bobeira, e aliou esses dois lados opostos da moeda em
um só. Experimentando, abusando das guitarras, mas
sobre melodias mais "fáceis" (o que, em
momento algum, significa "simplórias" ou
"banais") do que as dos álbuns anteriores.
E graças a isso gravou um disco maravilhoso, um dos
melhores de sua carreira (senão o melhor).
Isso já é escancarado logo
na primeira faixa do disco, "Dirty Boots". Um
riff de guitarra inteligentíssimo, cheio de efeitos,
sobre um ritmo contagiante da bateria de Steve Shelley,
em uma das músicas mais marcantes da banda. Depois
de dois versos, um refrão, pensamos estar diante
de uma estrutura pop convencional. Ok, eles estão
na Geffen, mas ainda são o Sonic Youth! Thurstom
e Lee fazem um de seus solos típicos, cheios de efeitos,
barulhos, parecendo querer voltar à melodia inicial
toda hora, mas sem nunca voltar ao refrão. As guitarras
e a bateria vão diminuindo seu ritmo, se apagando
aos poucos, até o final, sem surpresas, sem barulhos,
apenas uma guitarra tocando a introdução da
música.
Logo em seguida, vem "Tunic (Song For
Karen)", cantada por Kim Gordon, uma canção
lenta, sombria, lembrando muito The Sprawl, do disco anterior.
Com uma letra excelente, sobre fama e delírio, um
verso acaba se destacando: "you are never going anywhere",
cantada com uma angústia notável pela baixista
da banda. Em claro contraste vem "Mary-Christ",
um punk-rock enérgico e divertido, soa como o velho
Sonic Youth de Evol fazendo uma versão de alguma
música dos Ramones. Excelente!
"Kool Thing" e "Mote"
são belos exemplos do que viria a ser o Sonic Youth
de Goo e Dirty. A primeira apresenta riffs enérgicos,
a eterna busca pelo rompimento dos limites da melodia e
da harmonia, inovações (como um rapper dividindo
os vocais com Kim em um momento da música) e um senso
pop apurado, enquanto a segunda mostra a banda no limite
da barulheira, com os vocais sempre toscos de Lee Ranaldo,
enterrado sob densas camadas de guitarras desafinadas, distorcidas
e muita microfonia. No final, a destruição
total que já virou marca registrada da banda.
Em "My Friend Goo", o Sonic Youth
volta seu som ao punk rock, com pouco mais de dois minutos,
melodia e estrutura simples, um grande refrão e um
baixo distorcido que já virou clássico. A
letra parece ser um retrato de uma geração
alienada, sem futuro e nem desejos, cantada com um adorável
sarcasmo por Kim Gordon.
"Disappearer" é, talvez,
o maior exemplo do que o Sonic Youth desejava alcançar
com esse disco: fazer uma música "para as massas",
mas sem perder o espírito inventivo e sem fazer concessões
ao mainstream. Acaba sendo um belo contraste entre a violência
das duas guitarras de Lee e Thurstom com a veia pop dos
mesmos. Cheia de energia, acaba sendo uma das músicas
mais marcantes do álbum, graças a esse contraste
e também à melancolia, depressão e
desespero junkie, tema que a banda soube explorar desde
seus primórdios.
O espírito de Black Francis parecia
estar no estúdio onde Goo foi gravado: "Mildred
Pierce" soa como uma mistura de surf music, punk rock,
podreira, distorção e tudo o que pairava esse
universo estranho no qual Pixies, Sonic Youth e boa parte
do cenário alternativo americano estava inserido.
Três minutos de barulheira, gritos e muita, mas muita
sujeira. Já "Cinderella's Big Score" é,
talvez, a mais experimental do disco. Mil guitarras parecem
invadir a faixa, enquanto Kim Gordon vai cuspindo a letra
em nossa cara. Ideal para se ouvir no último volume,
às 5 da manhã, só para assustar seus
vizinhos. "Scooter + Jinx" é apenas uma
vinheta instrumental cheia de ruídos. Dispensável,
mas não compromete o resultado final.
E, como todo grande disco, Goo tem seu grand
finale. "Titanium Expose", uma rock'n'roll com
R maiúsculo, um grito de rebeldia da banda, algo
como "os anos 80 acabaram, vamos cuspir no caixão
do Michael Jackson". Começa com um riff indefectível,
daqueles que fazem até os mortos pogarem, numa introdução
simplesmente perfeita. Depois de um minuto começa
a canção em si, Thurstom e companhia pisam
no freio e nos entregam uma música mais calma, lembrando
um pouco grandes clássicos da banda como Star Power.
Depois da calmaria, vem a tempestade, Sonic Youth volta
à introdução, tocada em uma velocidade
espantosa, para acabar em mais de um minuto de ruídos,
barulhos e sons que fariam John Cale vibrar, e nós,
admiradores do rock, também, felizes por sabermos
que o rock não morreu, que só teve um pequeno
problema de saúde (alguns chamam isso de Axl Rose)
e estava de novo são e salvo nas mãos de meninos
de Nova York, Seattle, Boston, Londres, São Paulo
e toda cidade desse mundo tão grande e feio.
Goo acabou sendo a prova de fogo do Sonic
Youth, provando a capacidade de renovação
dos músicos e também a capacidade de misturar
no mesmo balaio o inconformismo underground com melodias
inspiradas, sendo parte de uma revolução jamais
vista antes no rock mundial. Tinha apenas 3 anos quando
essa pérola foi lançada (e 5 quando o grunge
explodiu), e isso, de certa forma, me deixa transtornado.
Queria ter feito parte de tudo isso. Queria quebrar meu
Apettite for Destruction ou meu Thriller depois de ouvir
discos como Goo, Nevermind, Surfer Rosa e tantos outros
grandes álbuns que mostraram para o mundo - e não
só para alguns poucos sortudos - do que o rock é
feito. Energia, atitude, barulho e, em primeiro lugar, sinceridade.