
|
Após três
obras-primas consecutivas ("Daydream Nation",
"Goo" e "Dirty"), o Sonic Youth
arriscou seu prestígio adquirido investindo
no caráter mais estranho de seu som, em "Experimental,
Jet Set, Trash And No Star". |
Como o próprio nome
do álbum já dizia, o quarteto nova-iorquino
resolveu levar às últimas conseqüências
as nuances pouco convencionais que sempre caracterizaram
sua versão do punk nova-iorquino, com fusões
de jazz e barulheiras guitarrísticas (o tal "no
wave", como alguns diriam). Desfrutando ainda da sua
parcela conquistada na recente explosão do rock alternativo
com "Dirty", o Sonic Youth não teve problemas
em continuar sua história por caminhos mais tortuosos.
Em 95, com "Washing Machine", não poderia
ser diferente.
O disco inicia-se com a música
pop mais barulhenta da banda (depois de "100%"
e "Sugar Kane", de "Dirty"): "Becuz".
A voz de Kim Gordon emula uma interpretação
com um certo teor sexy em cima de uma linha de guitarra
intermitente, que consiste apenas em quatro notas básicas.
Aos poucos, estas quatro notas vão sendo floreadas
(ou castigadas, como preferir) pelas guitarradas de Thurston
Moore e Lee Ranaldo. Tanto que no meio da faixa, o barulho
chega a ganhar uma identidade mais forte, com um crescendo
turbinado por um pedal wah-wah. As batidas de Steve Shelley
não deixam por menos: o baterista encaixa variações
do ritmo principal, para depois do caos guitarrístico,
voltar ao feijão com arroz do início, como
se a música nunca tivesse deixado de ser aquelas
mesmas quatro notas repetitivas da introdução.
Uma abertura e tanto para um disco e tanto.
Já em "Junkie's
Promise", os dois segundos introdutórios da
faixa são agraciados por uma microfonia. Thurston
Moore vocifera "cem dólares costumava ser mais
do que o bastante", dando início a uma narrativa
sobre um drogado que não consegue largar o vício.
As semelhanças com o caso de Kurt Cobain (vide as
frases "você sabe que eu me odeio, mas eu amo
todo mundo" e "eu não posso fugir de mim
mesmo", sentenças bem semelhantes à psique
do falecido vocalista do Nirvana) são até
de certa forma gritantes, mas o próprio Thurston
assegurou que não escreveu a letra conscientemente
querendo abordar esta história. A faixa, que segue
um ritmo moderado com um peso sinistro e arrastado, passa
por um pequeno interlúdio crescente, que logo dá
lugar a uma barulheira insana e claustrofóbica, que
cessa de maneira repentina.
Após dois grandes
petardos marcados com as cacofonias guitarrísticas
do SY, "Saucer-Like" diminui um pouco o ritmo.
Sua introdução dá um ar de suspense,
mais uma vez com as guitarras anunciando um momento de explosão.
Só que desta vez, a tal explosão não
ocorre, e o clima de suspense da introdução
cede lugar a uma construção melodiosa, com
os vocais falados de Lee Ranaldo. Impressionante a serenidade
causada pela faixa, com dedilhados que chegam a lembrar
pianos. "Saucer-Like" retoma o clima de suspense
da introdução, desta vez com Ranaldo adicionando
mais uma vez o pedal wah-wah, resultando em uma atmosfera
sinistra, dando a certeza que desta vez o tal ataque guitarreiro
se consumará. Ledo engano: mais uma vez, a banda
resolve retornar ao clima sublime, com a faixa acabando
logo em seguida. É o Sonic Youth optando pela sutileza
ao invés de caos.
Se o objetivo de "Saucer-Like"
era frustrar o ouvinte com uma série de pistas falsas,
a faixa título aparece para dar uma balanceada nas
perspectivas do ouvinte. "Washing Machine" é
uma música com um andamento mais uniforme, pelo menos
até os minutos iniciais. Logo, a música entra
em um túnel sem saída, mais uma vez com as
guitarras ditando o rumo nada convencional da composição.
Difícil descrever em palavras o efeito que aqueles
barulhos ocasionam, talvez seja algo parecido com uma enxurrada
de várias guitarras com efeitos estranhos. Algo como
se uma névoa pairasse sobre a canção,
fazendo com que tanto a banda quanto o ouvinte se perdessem
em uma neblina espessa, e depois disso, o rumo a seguir
seria outro completamente diferente. A faixa muda bruscamente
para um andamento experimental, com belos solos (leiam-se
solos à la Sonic Youth, nada de arpejos ou escalas
com quinhentas notas por minuto) de Lee Ranaldo, dilapidando
a viagem que acabou de se encerrar. Surreal.
"Unwind" apresenta
a linha mais melódica do disco até então.
O tom sublime da voz de Thurston Moore alia-se ao clima
singelo da canção, dando um efeito que pode
chegar a ser até tedioso de tão longa a calmaria
que impera. A faixa não chega a ter uma variação
de andamento tão brusca quanto as anteriores, preferindo
um ritmo mais sutil. É como se "Unwind"
estivesse preparando terreno para "Little Trouble Girl",
que vem a seguir.
Famosa por causa do épico
"dueto das Kims" (Kim Gordon e Kim Deal, do Pixies
e Breeders), a faixa chegou a ganhar um videoclip que foi
veiculado constantemente na MTV no ano de lançamento
do álbum. Com guitarras que emulam sons de piano
e melodia tradicional, "Little Trouble Girl" chamou
a atenção de algumas pessoas que nem tinham
conhecimento da real sonoridade do Sonic Youth.
Com uma introdução
estranha, "No Queen Blues" é mais uma faixa
que ataca com três guitarras (Kim Gordon resolveu
trocar o baixo por mais um instrumento de seis cordas em
algumas músicas do disco anterior). A base principal
da música, lenta e cadenciada, dá a oportunidade
para Lee Ranaldo lançar uma seqüência
de solos harmoniosos a cada frase que Thurston Moore canta,
como se a guitarra respondesse a cada sentença do
vocalista. No final, a música se encerra com uma
parede de guitarras ensandecida, semelhante à de
"Junkie's Promise".
Em seguida, aparece o momento
embaraçoso do disco; "Panty Lies" com certeza
é a faixa mais satírica que o Sonic Youth
já gravou. Kim Gordon canta pausadamente, acompanhando
a linha de guitarra, o que dá um certo teor humorístico
à música. Como se não bastasse, no
final, aparece um pequeno coro, acompanhando a mesma melodia
da guitarra, causando um momento absolutamente ridículo.
O ouvinte pode ficar na dúvida se a intenção
do SY era realmente gravar uma música séria
ou apenas inserir um momento descompromissado dentro de
um álbum tão experimental.
Ainda neste momento descompromissado,
aparece uma faixa não creditada. Esta música
escondida nada mais é do que uma versão sem
distorções do riff principal de "Becuz",
aquela mesma canção pop barulhenta das quatro
notas...
Em "Skip Tracer",
as melodias faladas de Lee Ranaldo dão as caras mais
uma vez. As letras do guitarrista sempre parecem conter
um ar saudosista, e nesta música em especial, Ranaldo
transparece a história sobre uma banda de Nova Iorque
(talvez o próprio Sonic Youth). A faixa chega ao
fim com uma rápida exaltação dos instrumentos,
como se aparecesse ali urgentemente para compensar a estrutura
repetitiva da música.
O ouvinte despreparado,
que já percorreu com seus tímpanos os caminhos
mais improváveis do rock neste disco do Sonic Youth,
pode achar que finalmente pode achar uma música mais
acessível que a radiofônica "Little Trouble
Girl", assim que começa a última faixa.
"Diamond Sea" é ao mesmo tempo a cereja
e o recheio do bolo; os minutos iniciais são talhados
em uma delicada melodia agraciada com efeitos de guitarra
que expressam, ao mesmo tempo, paz de espírito e
melancolia inigualáveis. A voz soturna de Thurston
Moore não arrisca chegar a tons altos, mas mesmo
assim a melodia com letra surrealista segue uma harmonia
indescritivelmente bela em sua simplicidade. Mas logo o
"oceano de diamantes" se abre, cedendo espaço
a mais uma grande viagem sonora, em um espetáculo
delicadamente pincelado com guitarras singelas. Logo, o
momento mais sublime do disco culmina pouco a pouco em uma
cacofonia de guitarras e microfonias que chegam a testar
a paciência do ouvinte. O caos guitarrístico
se estende até cerca de sete minutos, para depois
tentar retornar aos poucos à melodia inicial, mas
com um andamento mais arrastado. Este esforço dura
menos de dois minutos, e "Diamond Sea" se prolonga
mais uma vez nos efeitos viajantes das guitarras. A viagem
se encerra em dezenove minutos e trinta e cinco segundos,
e se o ouvinte resistiu à vontade de apertar o stop
no cd player, obteve uma longa lição sobre
o que se tornaria cada vez mais disseminado no meio do rock
alternativo: o princípio básico do post-rock
de Slints, Mogwais e outros. "Diamond Sea" é,
sem dúvida, mais um clássico absoluto do Sonic
Youth. "E você nunca saberá o quão
perto você chegou, até que você se apaixone
pela chuva de diamantes"...