|
Talvez a simbologia que representa
o momento exato do Nirvana ter atingido o topo foi
em 1992, quando "Nevermind" tirou Michael Jackson
do primeiro lugar da parada americana. A partir dali,
a não havia mais "underground", o Nirvana já não era
mais a novidade, o "novo" sendo entusiasticamente
propagado pelo boca a boca dos alternativos de plantão.
|
E a banda que está nessa situação,
o auge, imediatamente começa a sofrer todo o tipo de pressão
e cobranças. De uma hora para outra, tudo vira motivo para
críticas, especulações e questionamentos. Uma das formas mais
injustas de criticar o Nirvana nessa época era dizer que a
banda tinha surgido do nada, que o seu sucesso foi da noite
para o dia, fruto do marketing. O que hoje soa como uma heresia,
era repetido com freqüência em 92. Foi a partir do lançamento
de Incesticide que essa (falsa) impressão se dissipou. Tanto
o Nirvana já tinha história, que além de um belo álbum de
estréia (Bleach, 1989), a banda tinha ainda nas gavetas material
inédito acumulado o suficiente para mais um disco completo.
É um cenário bem diferente das bandas que são alçadas ao mega-estrelato
sem ter repertório suficiente para mais de 1 hora de show.
Pois bem, Incesticide não foge a regra das coletâneas desse
tipo, com material bastante variado e multi-facetado. Fazem
parte do tempero de Incesticide os famigerados b-sides, apresentação
ao vivo na BBC de Londres, experimentalismo puro e músicas
que poderiam muito bem figurar nos discos de estúdio. O que
destaca Incesticide das coletâneas similares é que a banda
em questão é o Nirvana. E isso faz toda a diferença, tornando
Incesticide um disco indispensável.
Logo de cara, "Dive" remete a crueza do som de Bleach, num
hard rock ácido e agressivo. "Sliver" é uma das muitas pérolas
do disco. Com uma melodia sensacional, deliciosamente pop
e acessível (digna do Nevermind), "Sliver" apresenta uma das
marcas registradas do Nirvana: um começo leve e tranquilo
que vai progressivamente ganhando peso, distorção nas guitarras
e intensidade no vocal. A progressão é envolvente, levando
a um final apoteótico e frenético. Kurt Cobain mostra todo
o seu carisma explorando uma simpática (e talvez simplória)
letra sobre temas familiares. "Sliver" também é uma mostra
do porquê de Kurt Cobain ser considerado uma das melhores
vozes de sua geração. Mesmo estando longe de ser um vocalista
técnico, Kurt canta muito, de uma forma intensa e cativante,
em simetria perfeita com as músicas que compõe, ora frágeis
e melódicas, ora tensas e agressivas.
"Stain" abusa na distorção da guitarra e retoma o peso de
"Dive". É outra música que entraria como uma luva no Bleach.
"Been a Soon" é mais pop, com a melodia baseada na harmonia
do vocal Kurt e Dave Grohl. Incesticide mistura músicas gravadas
por várias formações diferentes do Nirvana, incluíndo três
dos bateristas que tocaram no grupo (Grohl, Chad Channing
e Dale Crover). Por "Been a Son" (apesar de ser uma música
composta bem antes), percebe-se que a entrada de Dave Grohl
no Nirvana não só proporcionou um ganho técnico na bateria,
ma também um eficiente e poderoso backing vocal, que foi muito
bem explorado dali em diante.
"Turnaround" é o primeiro cover de Incesticide. Gravado pelo
Devo, "Turnaround" ganhou mais peso e distorção na versão
do Nirvana. Mas o destaque da música é o sarcasmo da letra.
"Molly's Lips" é mais um cover, do Vaselines, banda que Kurt
nunca cansava de elogiar. Segue uma linha bem mais pop, com
refrão fácil e marcante. É uma pena que jamais houve alguma
colaboração entre Eugene Kelly e Kurt Cobain. Qualquer música
resultante de uma hipotética parceria entre os dois seria
no mínimo espetacular. "Son of a Gun", também do
Vaselines, segue a linha pop, ainda mais melódica e cativante.
O arranjo soa bem tosco e garageiro, constrastando com o colorido
ingênuo da melodia e da letra.
"(New Wave) Polly" é a mesma conhecida Polly do Nevermind,
só que desta vez, num arranjo 'dedos na tomada'. Ficou uma
Polly punk rock, mas talvez a versão mais interessante dessa
música seja a 'big rock version' que entrou no álbum "From
The Muddy Banks of the Wishkah". Versões alternativas de lado,
a definitiva é mesmo a de Nevermind, somente com aquele violão
tosco e a voz de Kurt.
"Beeswax" abre a segunda metade do disco da forma mais insana
possível. Com uma letra que até hoje tentam interpretar (e
não é querer saber o que significa, mas simplesmente saber
O QUE DIABOS ELE ESTÁ DIZENDO!!!). Como curiosidade, "Beeswax"
foi gravada durante a primeira experiência do Nirvana num
estúdio, em Janeiro de 1988 com Jack Endino.
"Downer", com um andamento mais rápido e refrão poderoso,
acabou entrando no Bleach como uma faixa bônus das re-edições
recentes em CD do álbum de estréia do Nirvana.
"Mexican Seafood", com um letra um tanto nojenta (now I vomit
cum and diarrhea / on the tile floor like oatmeal pizza) é
da mesma sessão de estúdio de "Beeswax". No refrão se sobressai
o senso melódico de Kurt. A gravação é bem tosca, evidencia
músicos ainda inexperientes, principalmente o baterista (na
época Chad Channing) que mais parece amador, com muita energia
e pouca técnica. "Hairspray Queen" ganha o título de música
mais insana e sem noção do disco. A melodia é baseada numa
linha de baixo sinuosa de Krist Novoselic acompanhada por
um vocal tão sinuoso quanto. "Aero Zeppelin" traz uma melodia
mais arrastada pontuada por um riff muito rock n'roll que
é acompanhado de maneira pouco ortodoxa pela bateria. O título
da música seria uma referência "Aerosmith + Led Zeppelin"?
É possível. "Aero Zeppelin" encerra a seqüência de músicas
tiradas das sessões de Janeiro de 1989.
"Big Long Now" é uma música única na carreira do Nirvana.
Uma espécie de patinho feio, pouca gente presta atenção, mas
para aqueles que o fazem, "Big Long Now" revela uma melodia
reflexiva e instigante. É lenta e arrastada, passa longe do
que é conhecido como balada e tampouco soa agressiva.
"Aneurysm", uma das melhores do disco, encerra Incesticide
com chave de ouro. Riff destruidor, melodia bem resolvida
e final apoteótico são os ingredientes da receita que dá certo.
Em resumo, com todos os seus altos e baixos e momentos distintos,
Incesticide possui todos os elementos que fazem parte do que
era o Nirvana. E talvez Incesticide mostra como nenhum outro
disco da banda, o porquê do Nirvana ter se tornado uma unanimidade.
Com muita propriedade, a banda possui componenetes que agradam
a todos os gostos, desde quem preza uma boa melodia pop, aqueles
que cultuam a ideologia do som independente, os que gostam
de peso e também os que são instigados pela originalidade
de um bom experimentalismo inconseqüente.
|