O
Nirvana foi uma das bandas mais importantes da história
do rock 'n' roll, tendo contribuído de forma direta
para a redefinição do gênero ocorrido
no fim do milênio passado. Sua carreira meteórica
e seu hoje mitológico líder, Kurt Cobain, são
parte importante da história da música recente,
e continuam ainda hoje despertando discussões e adoração,
bem como seu reduzido - mas fundamental - legado continua
influenciando e sendo reverenciado por fãs e artistas
ao redor do globo. A vida de Kurt e o final trágico
dessa história contribuem também para tornar
o Nirvana um nome que estará sempre em um patamar acima,
no panteão dos inesquecíveis. E não se
trata apenas de confusões e sensacionalismo. O Nirvana
uniu boa música e carreira conturbada em combinação
explosiva, em uma era onde a divulgação (e exploração)
de bandas e artistas começava a ter escala mundial.
Kurt Donald Cobain nasceu em 20 de fevereiro de 1967, em
Aberdeen, à aproximadamente 220 quilômetros
ao sul de Seattle, no estado americano de Washington. Devido
aos constantes problemas entre seus pais (um mecânico
e uma secretária, que vieram a se separar definitivamente
quando ele tinha 7 anos), ele morou em vários lugares
diferentes, e desde cedo mostrou-se um garoto muito irriquieto
e com problemas de saúde que lhe obrigavam a tomar
sedativos e outros remédios (como o Ritalin) para
acalmar sua hiperatividade e fazê-lo concentrar-se
na escola. Mas os esforços quanto aos seus estudos
foram em vão, e logo ele se desligou da vida escolar.
Passava grande parte de seu tempo sozinho, ouvindo música,
pintando e escrevendo em seus diários, na maioria
das vezes, na casa de outros parentes ou mesmo de pais de
seus amigos, que aceitavam cuidar do garoto-problema. Sua
conturbada infância seria refletida anos mais tarde
em várias músicas que ele compôs para
o Nirvana. Assim, ainda cedo, ele teve contato e se apaixonou
pelo rock 'n' roll, e ouvia bandas como Beatles, Monkees,
Clash, Kiss, Black Sabbath, Sex Pistols e Led Zeppelin.
Aos 14 anos ganhou uma guitarra de aniversário, e
ficava cada vez mais claro que sua vida seria voltada à
música.
Kurt
foi crescendo e em sua adolescência acabou envolvendo-se
com a cenário musical underground da região,
onde formou várias amizades e chegou a trabalhar
nos bastidores de algumas bandas. Entre elas, o Melvins,
um dos mais importantes nomes da região e que
serviu de inspiração para grande parte
das bandas que mais tarde fariam o cenário
de Seattle se tornar conhecido mundialmente, entre
elas, o próprio Nirvana. O som feito pelo grupo
era mais ou menos aquilo que veríamos mais
tarde virar referência em Seattle: algo entre
o punk e o heavy metal. Kurt chegou a formar uma banda,
chamada Fecal Matter, com o baixista do Melvins, Dale
Crover, e gravar precariamente algum material. |
Foto do começo da carreira:
Jason Everman e Kurt Cobain ao fundo, Krist Novoselic
no meio e Chad Channing embaixo |
Mas foi Buzz Osbourne (vocalista do Melvins) quem lhe apresentou
em 1985 o seu futuro melhor amigo, Krist Novoselic. Foi
também Buzz quem lhe apresentou outras bandas que
seriam mais tarde a influência principal do Nirvana,
como Stooges, Black Flag e Flipper. Kurt começou
a adquirir consciência dos princípios do punk
rock e também a renegar e esconder seu passado de
fã de bandas mainstream, conflito esse que perduraria
e influenciaria boa parte de sua vida.
Meses depois de se conhecerem, Kurt e Krist mudam-se para
Olympia, atraídos pelo cenário musical dessa
cidade. Lá se tornam figurinhas fáceis nos
shows e bares underground. Formam sua primeira banda em
1986, chamada Stiff Woodies. Cobain ficou com a bateria
e Krist com o baixo, e os outros instrumentos ficavam com
vários amigos diferentes, que entravam da banda para
logo depois sair. Da mesma maneira que mudavam as formações,
mudava o nome da banda: passaram também por Skid
Row e Sellouts. Durante essas mudanças, as posições
entre os membros também eram trocadas, e no final
de 1986, a banda estava com Cobain cantando e tocando guitarra,
Krist ainda no baixo e Aaron Burkhart na bateria. Com a
saída de Aaron, Chad Channing assume as baquetas,
e a banda troca o nome definitivamente para Nirvana.
O ano de 1986 também marca a fundação
da Sub Pop, gravadora criada pelos amigos Jonathan Poneman
e Bruce Pavitt, sendo que este último viera para
Seattle ao lado de Kim Thayil, que mais tarde formaria o
Soundgarden. O objetivo do selo era ajudar bandas independentes
em início de carreira, que pipocavam aos montes nesta
região. Seria o responsável por mostrar o
Nirvana ao mundo, pouco tempo depois.
Podemos dizer que o ano de 1987 marca o início da
meteórica carreira do Nirvana. Início não
muito diferente de todas as bandas independentes: shows
e pequenas apresentações em bares, festas
e universidades locais. O som produzido por eles já
se caracterizava por ser uma mistura contagiante da agressividade
e rebeldia do punk rock com o peso e energia do metal/hard
rock. Já era notável também o talento
de Kurt Cobain, naturalmente, líder e principal compositor
do Nirvana. Aos poucos a banda ia fazendo seu nome no circuito
underground da região. Kurt também entrava
cada vez mais a fundo em um mundo pessoal povoado por demônios
como as drogas, mágoas familiares e seu problema
estomacal crônico, para o qual ele nunca acharia uma
solução.
Foi através dessa relativa fama que o produtor Jack
Endino tomou conhecimento do grupo. Depois de encontrá-los
e ficarem amigos, ele ajudou na produção de
algumas fitas demos com as quais convenceu seu amigo Jonathan
Poneman, da Sub Pop, a firmar um contrato com o Nirvana.
O primeiro fruto desse contrato foi um vinil lançado
em novembro de 1988 através do famoso "The Singles
Club", com as música "Love Buzz" (cover
de uma banda holandesa chamada Socking Blues) e "Big
Chesse". O lançamento final desse single foi
marcado por alguns problemas - era originalmente para ter
sido lançado em junho - devido às dificuldades
financeiras da gravadora. Apesar de fazer um excepcional
trabalho de divulgação de várias excelentes
bandas que não encontravam apoio nas grandes gravadoras,
a Sub Pop continuava a ser um pequeno selo cujos escassos
recursos freqüentemente atrapalhavam os dignos propósitos
de seus fundadores. E acabou não sendo diferente
com o Nirvana, que não só viu o atraso do
lançamento de "Love Buzz", como também
teve que aceitar um aumento no preço final do material,
para tentar evitar uma possível perda de dinheiro
investido pela gravadora.

A banda na capa da Rolling
Stone
durante o estouro
de Nevermind
|
Felizmente, não
foi o que aconteceu: o single vendeu bem (além
das 1000 cópias originais, foi necessário
a confecção de 200 adicionais), principalmente
devido ao fato de o Nirvana já possuir um pequeno
público, nascidos das famosas e incendiárias
apresentações da banda em Olympia e
Seattle. |
Empolgada com o retorno, a Sub Pop resolve arriscar e investir
em um álbum para o trio, além de promover
um melhor esquema de divulgação para eles.
Com o dinheiro arrecadado com o "The Singles Club"
(que logo após o Nirvana lançou material do
Mudhoney, Flaming Lips, Afghan Whigs e Tad), a Sub Pop pagou
a estadia em Seattle de um famoso editor inglês da
revista New Music Express. O objetivo era fazê-lo
conhecer a fervilhante cena underground da região.
Não deu outra: o influente editor, chamado Everett
True, ficou impressionado com bandas como Mudhoney, Nirvana
e Soundgarden, e as fez virar notícia na Europa também.
O embrião do sucesso do "grunge", termo
que vinha sendo utilizado (reza a lenda, cunhado por Mark
Arm) para se referir a cena musical do nordeste dos EUA,
começou a se desenvolver aí. As bandas de
Seattle passaram a fazer turnês maiores e começaram
a ver seus nomes escritos e reconhecidos em várias
revistas e publicações dos EUA e da Europa.
Assim, enquanto o Nirvana continuava fazendo shows, o
grupo começa a pensar também na gravação
de seu primeiro disco, oferecido pela Sub Pop. A banda contou
ainda com o apoio financeiro de Jason Everman (que mais
tarde teria uma rápida passagem como baixista do
Soundgarden), que acabou tendo seu nome citado no encarte
do álbum como guitarrista. Na verdade, ele só
tocou com o grupo em uma ocasião: na gravação
de um cover do Kiss, a música "Do You Love Me?",
que entrou em um disco tributo aos caras-pintadas lançado
pouco antes da gravação do primeiro álbum
do Nirvana. No fim de 1988 o Nirvana entra em estúdio
para gravar seu primeiro LP, sendo que sua produção
demoraria aproximadamente dois meses, à um custo
final de exatos 606,17 dólares. Finalmente, o álbum
intitulado "Bleach" foi lançado em junho
de 1989 - a Sub Pop ainda possuia os velhos problemas financeiros
que atrasaram a sua chegada às lojas, apesar de a
situação estar melhorando sensivelmente. O
disco vende cerca de 35.000 cópias (número
anterior ao mega-estrelato do Nirvana). Trata-se de um pequeno
clássico. Estão lá as melodias, os
riffs simples e criativos e a energia punk. Tudo ainda bastante
tosco e primal.
Durante a turnê
de divulgação do álbum, o fantasma
das mudanças no line-up voltam a assombrar
a banda. Chad Channing sai em maio de 1990 alegando
diferenças musicais com os outros companheiros,
e para seu lugar inicialmente é chamado Dale
Crover do Melvins, antigo amigo de Kurt. Mas este
também não fica muito tempo, e logo
depois quem assume as baquetas é Dan Peters,
do Mudhoney. Na verdade, esses bateristas estavam
apenas quabrando um galho para o Nirvana, enquanto
não achavam um baterista definitivo, até
por que os dois já tinham suas bandas "oficiais".
É com Peters na bateria que o Nirvana grava,
ainda em 1990, o single "Sliver", e que
além da faixa-título possuía
também a música "Dive". |
Kurt e Courtney |
Gravam também um EP chamado "Blew" ao
lado de Butch Vig (atual baterista do Garbage e produtor
de outros clássicos do rock alternativo, como o disco
"Siamese Dream" do Smashing Pumpkins e "Dirty"
do Sonic Youth). "Blew" saiu em uma edição
limitada, o que faz dele uma raridade hoje em dia. E, em
outubro de 1990, eles finalmente acham um baterista definitivo:
é Dave Grohl, que veio da banda de hardcore Scream.
O Nirvana continuava a sair do anonimato cada vez mais
rapidamente, fazendo inclusive uma turnê pela Europa.
Depois de finalmente resolver negociar com as várias
grandes gravadoras que assediavam a banda, eles são
aconselhados pelos amigos do Sonic Youth e resolvem assinar
contrato com a DGC (uma divisão da Geffen Records)
em abril de 1991. A Sub Pop também ganhou com a mudança,
afinal, o pequeno selo arrecadou um bom dinheiro pela rescisão
de contrato com o Nirvana, devidamente pago pela DGC.
De casa nova, a banda entra em estúdio ainda em
1991 para gravar seu segundo álbum. Novamente com
a produção de Butch Vig, o Nirvana faz diversas
sessões de estúdio, gravando e regravando
várias vezes o material a ser colocado em seu novo
LP, cuja idéia inicial de Kurt era intitular "Sheep".
A banda trabalhava com empenho mas às vezes ficava
nas mãos do humor e manias de Kurt, cujos problemas
químicos aumentavam a medida que aumentava a pressão
em cima de sua carreira. Antes do lançamento de seu
novo trabalho, a banda participa do famoso Reading Festival,
na Inglaterra, ao lado de nomes de peso como Iggy Pop e
Sonic Youth, sedimentando ainda mais sua fama. O resultado
das sessões no famoso estúdio Sound City,
na California, é lançado finalmente em 24
de setembro de 1991, sob o título "Nevermind".
O disco conta com ótima produção (mixagem
final de Andy Wallace) que destaca bem as excelentes melodias
criadas por Cobain e deixa o barulho produzido pelo grupo
mais acessível (para o bem ou para o mal). Fora isso,
"Nevermind" é um clássico do início
ao fim, citado constantemente como um dos melhores discos
de rock de todos tempos. Poucos discos na história
tiveram tantos hits reunidos lado a lado: "Come as
You Are", "Smells Like Teen Spirit" e "Lithium"
foram tocadas à exaustão.
O objetivo inicial da DGC era conseguir vender todas as
aproximadamente 100.000 cópias prensadas, mas hoje
"Nevermind" já ultrapassou o impressionante
número de 10 milhões de cópias vendidas,
e continua a vender regularmente mesmo depois de mais de
uma década de seu lançamento. O disco foi
um fenômeno de vendas logo de início, e ficou
durante muito tempo nas paradas de sucesso (tendo atingido
a primeira posição nas paradas americanas
em fevereiro do ano seguinte). O Nirvana tem seu nome levado
à posição de grande sensação
do rock mundial, assim como toda geração de
bandas de Seattle tem seus nomes reconhecidos e expostos.
A MTV descobre a banda e tudo isso é elevando a décima
potência. Kurt Cobain se transforma em ícone
pop e o porta-vez da geração X.