Aí começam os problemas. Kurt mostra imediatamente
ser incapaz de suportar e ser aquilo em que ele se transformou.
Suas contradições aumentam, e apesar de sempre
ter almejado alcançar sucesso no mundo do rock 'n'
roll, ele viu que tudo aquilo não era bem assim como
costumava sonhar. Enquanto ele vislumbrava em seus shows
o público adolescente típico da MTV, parecia
sentir falta do respeito por parte das pessoas que ele tinha
em alta consideração, e temia estar perdendo
sua integridade punk.
Cada
vez mais ficava evidente sua tendência a depressão,
sua fraqueza ao lidar com drogas e também seus
impulsos suicidas começavam a florescer. Ainda
assim, nada atrapalhou a incrível ascensão
do Nirvana, e por volta de 1992, eles possuíam
prestígio e sucesso poucas vezes vistos antes
na história do show-business. |
Kurt Cobain durante a apresentação
acústica na MTV |
A rotina alucinante do Nirvana continuava: shows lotados,
entrevistas, matérias em revistas, em jornais e em
programas de televisão eram o dia-a-dia do trio.
A banda não tinha tempo para descansar e botar as
idéias no lugar, uma vez que tudo aconteceu muito
rápido. Muitas vezes faziam shows em grandes lugares
(no Hollywood Rock de 1993 eles tocaram para 35.000 pessoas),
mesmo insatisfeitos com isso, pois preferiam os pequenos
shows e concertos que faziam no início de carreira.
"Em um pequeno ginásio, nossa energia flui melhor"
comentou Dave Grohl, na ocasião do Hollywood Rock.
Kurt mostrava-se inseguro com os rumos que sua carreira
estava tomando, mas não conseguia se desvincular
de tudo que considerava nocivo. Algumas apresentações
na televisão americana ficaram famosas, como a no
"Saturday Night Live", onde Cobain e Novoselic
se beijam após a performance da banda. Aparecem também
no "Headbanger's Ball" (um programa da MTV) e
em um programa da BBC chamado "Top of the Pops",
onde eles dublam "Smells Like Teen Spirit" da
maneira mais irônica possível.
Ao menos sua imagem a banda deixa intacta, sempre usando
as roupas rasgadas e velhas que usavam nos shows nos buracos
do início na carreira, além de protagonizar
as já costumeiras seções de quebra-quebra
de intrumentos (que também acontecem sem cerimônia
nos programas de TV) e desaforos como a masturbação
de Kurt diante das câmeras do Hollywood Rock. Fora
da música, seu romance com a vocalista do Hole, Courtney
Love, a quem ele conhecera em clube no qual o Nirvana se
apresentaria, rendia fofocas e matérias para os inúmeros
tablóides sensacionalistas, que não cansavam
de noticiar brigas e quaisquer outros acontecimentos relacionados
à dupla.
Kurt e Courtney se casaram em uma cerimônia realizada
no Hawaii em fevereiro de 1992, e anunciaram que estavam
esperando uma filha para agosto. Na imprensa, surgiram boatos
de que o casal continuava a consumir heroína e outras
drogas regularmente, mesmo estando ela grávida. Eles
negavam tudo veementemente, apesar dos problemas de saúde
de Cobain ficarem cada vez mais explícitos, inclusive
obrigando o Nirvana a cancelar alguns shows vez ou outra.
Isso fez com que algumas instituições de proteção
à crianças entrassem com um processo na justiça
de Los Angeles, tentando tirar a futura guarda da criança
do casal, mas sem obter sucesso. Frances Bean Cobain nasceu
com saúde em 18 de agosto de 1992. Um pouco antes
disso, em junho, Kurt visitou um hospital em Belfast depois
de um show na Europa, para tentar tratar de seu problema
no estômago.
Com uma família para cuidar, Kurt pareceu acalmar
um pouco, tentando suavizar a rotina de rock-star. O Nirvana
passou a escolher melhor os shows em que se apresentaria,
e passada a euforia inicial, eles tentaram virar um grupo
de rock normal. Devido a impossibilidade de lançar
material inédito ainda em 1992, decidem lançar
uma coletânea de antigas gravações da
banda, com músicas que só saíram em
singles, raridades, demos e lados B, para saciar a grande
legião de fãs, ávida por novidades
do grupo. "Incesticide" é um bom álbum,
que mostra um Nirvana mais seco e sujo do que em "Nevermind",
afinal, a maioria das faixas que lá estão
foram produzidas e gravadas no período anterior ao
estrelato do grupo. A capa do disco possui um desenho feito
por Kurt.
Em 1993, a banda se encontra com uma quantidade suficiente
de novas composições para a gravação
de um novo disco. A idéia era fazer um trabalho que
retomasse as raízes do grupo, sem facilidades e concessões.
Kurt ainda tinha seus problemas de aceitação
com a maneira como "Nevermind" soava, e sentia
que em débito com seu passado. O produtor escolhido
para lhes ajudar nesta tarefa foi respeitado Steve Albini
e o novo disco foi concluído em duas semanas, durante
a primavera americana. Ao mesmo tempo, ficavam fortes os
rumores de que Cobain estava tendo uma nova recaída,
e seus problemas pessoais voltavam a perturbar a banda.
Pouco tempo depois, esses rumores, infelizmente, começaram
a se mostrar verdadeiros: Kurt teve uma overdose de heroína
no dia 2 de maio e só se salvou devido ao rápido
atendimento médico, fato que foi escondido da imprensa
durante um longo tempo; em junho, Courtney Love chamou a
polícia na casa do casal, pois Kurt supostamente
estaria trancado no banheiro com uma de suas armas dizendo
que iria se suicidar; ainda em junho, no final do mês,
ele é vítima de uma nova overdose, em um hotel
de New York, antes de uma apresentação da
banda no Roseland Ballroom. Depois de superar esses acontecimentos,
ele aceita se internar em um centro de recuperação,
para ver se consegue se livrar definitivamente das drogas.
Mas Kurt não aguenta muito tempo e desiste antes
de terminar o programa.
A despeito de todos esses problemas, "In Utero"
é lançado em 23 de setembro de 1993. Trata-se
de um disco tão brilhante quanto "Nevermind",
com a diferença de ter sofrido uma enorme expectativa
em cima. As temáticas continuam versando sobre as
neuroses de Cobain (explícita na capa do disco também),
com suporte de um instrumental afiado, dessa vez mais tosco,
soando mais real e intricado do que tudo que a banda já
havia registrado antes, resultado das gravações
realizadas ao vivo e sem overdubs. Consequentemente, o álbum
tem menos hits e não faz o mesmo sucesso estrondoso
que seu disco antecessor. Kurt aproveita para espetar desafetos
("Rape Me" é endereçada à
repórter Lynn Hirschberg, da revista "Vanity
Fair", que foi a primeira a questionar se Kurt e Courtney
seriam bons pais para a pequena Frances Bean; "Serve
the Servants" cita seu pai), rir dele mesmo ("Dumb")
e falar sobre seus problemas de saúde (quase todoas
as músicas). Apesar da resposta comercial menor,
o álbum é o melhor da banda na opinião
de muitos fãs.
Muitos boatos surgiram na época dando conta de que
a DGC não tinha ficado nem um pouco satisfeita com
o que a banda lhe entregou a princípio. Ainda sim,
devido ao prestígio do grupo na gravadora, eles conseguiram
manter essa idéia inicial, cedendo apenas em remasterizar
o disco com o produtor Scott Lit (que já trabalhou
com o REM), que deu uma suave limpada nas faixas, mas no
final das contas, não mudou muita coisa.
Kurt Cobain: mito ou fantoche
nas mãos da mídia? |
A banda
parte para mais uma exaustiva turnê em outubro,
contando com a ajuda do guitarrista Pat Smear (ex-Germs).
Eles ainda acham um tempo para gravar um show acústico
para a MTV, em novembro, certamente um dos últimos
grandes momentos da carreira do Nirvana. Cobain, apesar
de claramente nervoso, parece estar no auge de inspiração
para cantar e interpretar, sem deixar transparecer
a mínima suspeita de que seus problemas estarem
cada vez mais perto de vencerem a batalha. |
No total foram seis covers: "The Man Who Sold the
World" de David Bowie, "Jesus Doesn't Want me
for a Sunbeam" do Vaselines, "Where Did You Sleep
Last Night" do Leadbelly e "Plateau", "Oh,
Me" e "Lake of Fire" do Meat Puppets (os
irmãos Kirkwood sobem ao palco para colaborar com
o Nirvana na execução de suas músicas).
Das músicas próprias, o destaque unânime
é a atuação solitária de Kurt
em "Pennyroyal Tea", que se transformaria em motivo
de orgulho até do próprio Kurt, sempre muito
auto-crítico. Ainda pela MTV, a banda grava um especial
de final de ano. O final de ano que seria o último
vivido por Kurt Cobain.
Continuando na estrada, a banda faz seu último show
nos EUA no dia 8 de janeiro de 1994, no Center Arena de
Seattle. Depois de um pequeno descanso, no dia 2 de fevereiro
eles partem para uma turnê européia, que pretendia
cobrir vários países desse continente, entre
eles, França, Portugal, Iugoslávia, Alemanha
e Itália. Mas depois de um show em Roma, na Itália,
a banda decide dar um tempo para mais um descanso, uma vez
que Kurt não estava aguentando seus compromissos.
Juntamente com Courtney, ele decide tirar mais umas férias
na própria Itália, para descansar um pouco.
Kurt estava cada vez mais fragilizado e doente. No dia
4 de março, Courtney Love achou seu marido inconsciente
em seu quarto, no hotel Rome's Excelsior. Ele acabara de
ter uma overdose de um tranquilizante chamado Rohypnol,
misturado com champagne. A partir daí, a situação
não seria mais reversível. A banda tentou
divulgar que esse acontecimento foi apenas um acidente,
mas logo descobriu-se a existência de uma carta de
despedida escrita por Kurt, provando assim que sua vontade
era mesmo suicidar-se. Amigos, empresários, banda,
parentes e fãs mobilizam-se, pois viram que a situação
dessa vez era muito grave. Depois de permanecer em coma
por 20 horas (boatos surgiram de que ele havia falecido),
Kurt retoma a consciência e é convencido à
voltar para Seattle e ingressar novamente em um centro de
recuperação. Era evidente que ele precisava
de muito repouso e tempo para se recuperar.
Em Seattle, antes ainda de Kurt ingressar no referido centro,
uma outra ocorrência deixa todo mundo ao seu redor
alarmado novamente: no dia 18 de março, ele trancou-se
em um quarto de sua mansão, novamente com uma arma
tirada de sua coleção e ameaçando matar-se.
Mais uma vez o problema é contornado e finalmente
no dia 30 do mesmo mês ele dá entrada no Exodus
Recovery Center, em Los Angeles, para iniciar um tratamento
intensivo visando sua recuperação. Os médicos
desde cedo alertaram que não seria uma tarefa fácil,
tendo em vista que sua dependência estava muito violenta
e seus problemas no estômago mantinham seu organismo
muito debilitado. Mas a situação volta a ficar
complicada mais rápido do que todos esperavam, e
dessa vez, de maneira definitiva: aproveitando uma falha
de segurança do Exodus Recovery Center, Kurt escapa
no dia seguinte à sua entrada e a partir daí
não mais foi visto. Diz-se que ele passou de três
a quatro dias perambulando pelas ruas da cidade tentando
achar drogas para consumir, como se fora um mendigo. Ele
teria passado por sua casa também, e mesmo ela sendo
constantemente vigiada por familiares e servindo de moradia
para o babá de Frances e sua namorada (que dizem
ter ouvido barulhos de alguém vagando por lá
de noite), Kurt não foi visto por ninguém.
No
dia 8 de abril de 1994, um eletricista contratado
por Courtney Love foi na mansão dos Cobains
para instalar um sistema de alarme. Andando pelas
estruturas anexas da casa, ele tropeça em algo,
perto de uma mesa. Ao acender a luz, percebe que havia
esbarrado em um corpo estirado ao chão, com
a cabeça esfacelada devido provavelmente à
um tiro disparado pela arma que estava caída
ao seu lado. Em cima da mesa, uma carta. De acordo
com a perícia médica que logo foi chamada
ao local, Kurt Cobain se suicidara 4 dias antes, aproximadamente,
no dia 4 de abril, mesmo dia em que sua mãe
foi a delegacia declarar seu filho como desaparecido. |
O Nirvana com Pat Smear,
na turnê do disco In Utero. |
Em seu organismo, havia heroína o suficiente para
matá-lo sem que ele necessitasse de um tiro de uma
arma de calibre 38 na cabeça: era apenas uma questão
de minutos.
Kurt Cobain foi alçado a posições
ainda mais altas das que ele já gozava entre seus
fãs. Hoje ele repousa ao lado de nomes ilustres nomes
como Jimi Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin. Sua morte
foi o primeiro passo para o fim da chamada era "grunge".
Rapidamente surgiram teorias absurdas como as que garantem
que a morte de Cobain fora arquitetada e executada por Courtney
Love, e até pelo FBI.
Dave Grohl hoje em dia é o guitarrista e vocalista
do Foo Fighters, que chegou a contar também com o
guitarrista Pat Smear. Dave não costuma falar muito
sobre Kurt Cobain, com quem chegou a morar durante um breve
período logo após sua entrada na banda. Já
Krist Novoselic ficou mais tempo longe da música,
tempo que aproveitou para participar de várias causas
de cunho social, voltando a se juntar a uma banda somente
em 1997, no Sweet 75. Este projeto não deu muito
certo, assim como o Eyes Adrift que veio a seguir e também
terminou logo após o lançamento do primeiro
disco. Atualmente Krist parece que não voltará
ao mundo da música.
No final de 1994 é lançado o disco "Unplugged
in New York", que contém a histórica
apresentação do Nirvana em formato acústico
para a MTV. E em 1996, sai "The Muddy Banks of the
Wishkah", que possui diversas canções
de diferentes épocas da banda compiladas a partir
de gravações de shows. Especulações
sobre o material inédito que banda deixou começam
a surgir, mas as visões de Dave e Krist divergem
da de Courtney Love, e assim começa uma longa batalha
judicial sobre o espólio da banda. Com o advento
da internet, grande parte deste material espalhou-se, em
forma de bootlegs em mp3, mas o lançamento em formatos
oficiais só viria a acontecer a partir de 2002, quando
as partes entram em acordo. Em novembro desse mesmo ano
é lançada a coletânea "Nirvana"
contendo os maiores sucessos da banda e a inédita
"You Know You're Right", gravada poucos meses
antes da morte de Kurt Cobain em 1994. No final de 2004
é lançado o esperado box set "With the
Lights Out", que traz três CDs e um DVD recheado
de faixas demos, b-sides e gravações ao vivo.
Em 2005 sai "Sliver", nova coletânea, mas
dessa vez, baseada somente no material do box set lançado
no ano anterior. Daí, seu sub-título: "The
Best of the Box".
Além dos lançamentos póstumos sonoros,
Kurt Cobain inspira livros, como "Journals", baseado
nos diários de Kurt; e "Heavier Than Heaven"
(que ganhou edição nacional com o subtítulo
"Mais pesado do que o céu"), excelente
e completa biografia de Kurt Cobain escrita pelo jornalista
Charles R. Cross.